Por mais de 50 anos, o Brasil investiu na agricultura do desmatamento. Agora, precisamos produzir inovação e tecnologia para fomentar os produtos da floresta em pé.
Por Salo Coslovsky
Nos últimos 50 anos, o Brasil investiu pesadamente no desenvolvimento da agricultura do desmatamento. Levou o cultivo de soja para o Cerrado e expandiu outras culturas, como as da cana e do milho, além da pecuária. Em suma, investiu em práticas para áreas “abertas”, isto é, desmatadas. Na prática, isso quer dizer que, por meio século, o país não investiu o suficiente para transformar a floresta em fonte de geração de renda. Agora, mais do que em qualquer outro momento da história, é urgente recuperar o tempo perdido e investir em inovação e tecnologia em larga escala, e rápido, para potencializar uma economia da floresta em pé.
Quando pensamos em como o governo pode fortalecer a economia da floresta na Amazônia, as respostas mais frequentes giram em torno da oferta de isenções, subsídios e proteção contra as forças de mercado. O maior problema com esses instrumentos é que eles não funcionam. Ou, pelo menos, não funcionam muito bem quando implementados da forma convencional, em que o governo não exige contrapartida por parte das empresas beneficiadas, não coordena esforços com outras entidades públicas ou privadas e, acima de tudo, não aprende com base nas suas experiências. Ao invés de fortalecer a economia, eles muitas vezes acabam produzindo desperdício, ineficiência e corrupção.
Existem, porém, diversas experiências positivas em que o governo adota esses e outros instrumentos de forma inovadora, efetiva e barata. Elas são mais comuns do que pode parecer, mas não se enquadram nas teorias dominantes sobre governo e mercado. Por isso, costumam ser desmerecidas como se fossem casos excepcionais e não acabam sendo incorporadas ao repertório dos tomadores de decisão.
Há inúmeros casos de sucesso no Brasil e também no exterior. Um dos exemplos mais poderosos foi implantado no Peru sob o nome de “mesas executivas”. Elas são um espaço de diálogo, descoberta e ação em que empresas e órgãos públicos buscam formas de aprimorar o desempenho de um determinado setor. A primeira, dedicada ao setor madeireiro, foi criada em dezembro de 2014. Desde então, o governo peruano criou muitas outras. Nem todas produziram os resultados esperados, mas, de forma geral, a experiência tem sido positiva o suficiente para garantir a continuidade apesar dos inúmeros percalços que tem afetado o Peru, um país que teve seis presidentes nos últimos seis anos.
Para aumentar as chances de sucesso, as mesas executivas precisam vencer três desafios. O primeiro é não sucumbir à tentação de oferecer isenções, subsídios ou proteção contra as forças de mercado. Como explicou Piero Ghezzi, o Ministro da Produção do Peru que concebeu a ideia e implantou as primeiras mesas no Peru, “isenções estão fora de cogitação. O que as mesas discutem são formas do setor privado aumentar a sua competitividade. Isenções, nem pensar”. Nesse ponto, a disciplina é fundamental.
O segundo desafio é equipar as mesas com uma equipe técnica competente e dotá-las de orçamento suficiente para que o trabalho seja feito. Esses profissionais vão conduzir os debates, buscar dados, interpretar leis, decretos e regulamentos, recrutar aliados e contrariar o interesse de pessoas poderosas, inclusive algumas que participam das reuniões. Os membros precisam ter boa formação e muita experiência, com conhecimento detalhado dos meandros da máquina pública.
De forma adicional, Piero Ghezzi aprendeu que as mesas executivas geram melhores resultados quando são geridas por uma única equipe multidisciplinar, independente do tema ou setor. Por sua vez, esses profissionais logo aprenderam que o trabalho rende mais quando as empresas têm uma interpretação compartilhada de seus problemas e enviam líderes com experiência no dia a dia do negócio, ao invés de enviar lobistas ou líderes setoriais especializados em relações institucionais.
Já o terceiro desafio é obter apoio por parte das autoridades responsáveis pelo orçamento público. Esse ponto é importante já que, em muitos casos, os participantes sugerem que órgãos de governo alterem a forma de agir, criem novos programas ou fortaleçam iniciativas existentes. Sem dinheiro por trás dos pedidos, as sugestões correm o risco de não sair do papel.
Quando funcionam a contento, as mesas produzem aprendizado mútuo e imediato. De um lado, os representantes do setor público aprendem quais obstáculos impedem o setor privado de ampliar sua produtividade, alcançar novos mercados e melhorar a qualidade de produção. De forma complementar, os participantes do setor privado aprendem sobre a máquina pública, os recursos que o governo tem à disposição e como eles podem ser aplicados. Ao manter essa troca, muitas iniciativas logo começam a produzir bons resultados.
Outros países já estão de olho. Além de continuarem a serem adotadas no Peru, as mesas executivas estão sendo adotadas também pelo Chile. Meses atrás, a experiência foi discutida por um especialista do Banco Interamericano de Desenvolvimento em um evento na Costa Rica.
O Brasil já teve diversas experiências com câmaras setoriais (por exemplo, na indústria automobilística) e algumas delas permanecem ativas no âmbito do Ministério da Agricultura, inclusive várias dedicadas a produtos compatíveis com a floresta, como cacau, mandioca, palma, mel e pescados. Apesar do formato parecido com as mesas executivas, as câmaras brasileiras privilegiam a representatividade e a inclusão de atores ao longo de toda a cadeia, enquanto as mesas peruanas tem escopo mais restrito e viés executivo. Dado o que sabemos sobre políticas públicas, desenvolvimento econômico e os desafios enfrentados pelos negócios da floresta na Amazônia, vemos a experiência peruana como excelente fonte de inspiração para uma iniciativa de fomento empresarial no Brasil.
Salo Coslovsky é professor da Universidade de Nova York (NYU), onde leciona disciplinas relacionadas à administração pública e desenvolvimento econômico. Formado em Administração Pública pela FGV, com mestrado em Direito e Diplomacia pela Fletcher School da Tufts University (EUA) e doutorado em Estudos Urbanos pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Desde março de 2020, é pesquisador associado do projeto Amazônia 2030 e coordenador do projeto Infloresta.
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