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Por J. Antônio Dias Lopes

Para um punhado de estudiosos da gastronomia, o pão de queijo enquadra-se só parcialmente na categoria do alimento que há milênios sustenta a humanidade. Talvez por olharem apenas para o seu pequeno tamanho, consideram-no um tipo de biscoito. Evocam a origem mundial do pão. Lembram que o primeiro teria sido assado no forno de barro, provavelmente em 7000 a.C., no Egito, onde mais tarde descobriu-se o fermento e, portanto, a levedação. Fizeram-no por séculos com farinha de trigo, mas também misturando outros cereais moídos, tipo o centeio, e ainda a bolota, o fruto de árvores da família do carvalho. Entretanto, a receita do pão de queijo manda usar somente polvilho ou goma de mandioca, macaxeira, aipim ou maniva, nas modalidades doce ou azeda, ou combinadas; junto com óleo, leite, ovos, queijo e sal. As receitas variam, mas o resultado coincide. A mandioca é um tubérculo que nasce e desenvolve-se abaixo da superfície do solo, só revelado ao mundo no século XVI, ou seja, após a descoberta da América, de onde é nativa.

Uma legião de estudiosos da gastronomia, porém, discorda da exclusão do pão de queijo da categoria a que pertence. Mostra que faz jus ao nome. Pode substituir o de trigo e ser consumido puro a qualquer hora do dia, no café da manhã, no lanche, merenda ou chá da tarde e ainda nas principais refeições. Permite ser aberto ao meio para receber saborosos recheios salgados ou doces e converter-se em apetitosos sanduíches. Nesse caso, vai bem com manteiga, requeijão, cream cheese, ricotta, queijo Minas Padrão ou Serra da Canastra; patês variados, salame, mortadela ou presunto; lascas de pernil, fatias de lombo, carne louca, peito de peru ou frango; doce de leite, goiabada e geleias.

A razão do pão de queijo dispensar farinha de trigo ou qualquer outra é óbvia. Nos tempos coloniais e imperiais, o Brasil dispunha de mandioca à vontade, como ainda acontece na atualidade (graças a Deus!). Já a cultura do trigo, introduzida aqui na primeira metade do século XVI, na Capitania Hereditária de São Vicente, de São Paulo, pelo nobre, militar e administrador português Martim Afonso de Sousa (1500-1564), sempre enfrentou dificuldades naturais. Nos tempos coloniais e imperiais, produzia grãos em volume insuficiente e precisava ser importado. Seus grãos alcançavam preços habitualmente elevados, que tornavam a farinha privilégio dos ricos, embora nem sempre apresentasse boa qualidade.

Ainda assim, a origem do pão de queijo continua incerta. Há duas versões para sua invenção. Primeira e mais repetida: como as cozinheiras escravas do século XVIII tinham que se virar para preparar o pão, alimento apreciadíssimo pelos seus senhores, muitos dos quais o conheceram em Portugal, acabaram criando o de queijo. Segunda versão: o novo alimento seria obra das quitandeiras, vendedoras ambulantes, escravas ou não, que na época da Província de Minas Gerais ofereciam à clientela “gêneros da terra”, ou seja, biscoitos, broas, bolos, leite, fumo e cachaça. A chef e restaurateur Dona Lucinha (1932-2019), insubstituível primeira-dama da cozinha mineira, nascida na região da cidade do Serro, no centro de Minas Gerais, endossou a segunda hipótese no livro “História da Arte da Cozinha Mineira” (Edição da Autora, Belo Horizonte, 2001).

Sustentou que o pão de queijo descende do antigo biscoito de goma doce (polvilho, ovo, sal, água fervente, leite em temperatura ambiente e gordura idem). “Com o aumento do gado e a maior fartura do queijo, as quitandeiras também aumentaram a sua participação na massa do antigo biscoito”, escreveu ela. “E o enrolaram em forma de pequenas bolinhas as quais, depois de assadas, chamaram de pão de queijo”. Há quem aponte um período para essa transformação: o século XVIII, em torno do ano de 1750. Dona Lucinha, compreensivelmente em causa própria, supõe ter ocorrido no seu torrão natal. “A perfeita adaptação do gado leiteiro à região do Serro, devido às pastagens nativas de capim-meloso e provisório, e à tradição no preparo dessas quitandas, faz pensar que ali pode ter sido berço de muitas receitas”, observou ela. “E, se quisermos ousar, quem sabe: o berço da forma mineira de fazer o pão de queijo”.

A dúvida é a razão de outros países latino-americanos exibirem preparações assemelhadas. Exemplos: Paraguai, Uruguai e Argentina (todos com a chipa); Bolívia (cuñapé); Equador (pan de yuca); Colômbia (pan de queso). Quem influenciou quem? Difícil responder. Pode ter sido invenção de vários lugares, simultânea ou não. Certas receitas clássicas surgiram assim. Uma delas é a do doce de leite. Vários países latino-americanos disputam a paternidade do doce de leite. A Argentina e o Uruguai são os primeiros da fila. Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, México, Paraguai, Peru, República Dominicana, Chile e Venezuela e Brasil (por acaso. igualmente o Estado de Minas Gerais) também estão no páreo.

Afinal, quem inventou o doce de leite? Ninguém que se conheça. Sua receita provavelmente saiu da intuição popular. Pode haver nascido em qualquer dos países citados, simultaneamente ou não, sem que um copiasse o outro. Bastava ter leite e açúcar em abundância. Alguém colocou esses ingredientes numa panela e a levou ao fogo. O líquido foi evaporando, adquirindo a consistência e a característica cor de caramelo. Outra possibilidade é isso ter ocorrido deliberadamente, para aproveitar ou conservar o excesso de leite.

Quanto aos “diferentes pães de queijo”, tratam-se na verdade de produtos que se distinguem uns dos outros. O brasileiro, apesar das variações de sua receita, apresenta textura elástica, macia e um sabor suave no qual destaca-se o queijo do preparo. A crosta da chipa é crocante, a textura mais firme, o sabor levemente salgado. E por aí em diante. Dona Lucinha registrou a similaridade em seu livro, contando história pessoal. Uma amiga espantou-se ao encontrar no Equador um garoto segurando uma bandeja com o “pão de queijo” daquele país. Eis o relato de Dona Lucinha:

“- Que es esto?- perguntou a amiga.

– Es pan de yuca – disse o garoto. E lleva queso, arrematou.

Yuca, pensou ela (a amiga), é a nossa mandioca. Era incrível: o cheiro, a cor, o sabor, tudo lembrava nosso inconfundível pão de queijo. Diferente apenas no formato e na consistência”.

Acredita-se que o pão de queijo seja o lanche mais apreciado pelos brasileiros. Encontra-se à venda novinho em milhares de padarias, existe para comprar, industrializado e congelado, pronto para assar. em armazéns, supermercados e delikatessens. Há de tudo. Pode ser muito bom, mais ou menos e nem tanto. Em São Paulo, destacam-se marcas como Carrefour Classic, Dia, Forno de Minas, Maricota, Momento Mambo, Qualitá, Qualy, Seara e St. Marché, citadas aqui pela ordem alfabética, não de qualidade. Nos últimos anos, espalha-se internacionalmente, embora às vezes seja difícil prepará-lo do começo ao fim em alguns países, pela dificuldade de encontrar polvilho. Tanto que em abril passado o site em inglês TasteAtlas, postado em Zagreb, capital e maior cidade da Croácia, elegeu-o como terceiro melhor complemento do café da manhã no mundo.

No pódio matinal, o pão de queijo ficou atrás apenas de duas receitas típicas: a primeira foi da Malásia (roti canai, uma variação da panqueca de massa folhada, encontrada em vários países do Sudeste Asiático, geralmente servida com manteiga clarificada, semelhante à brasileira de garrafa); a segunda, da Sérvia (komplet lepinja, um pão achatado apresentado com creme e ovo em cima). Entretanto, o pão de queijo bateu clássicos internacionais como o franco-austríaco croissant, o ibérico churro e a árabe esfiha. O TasteAtlas consagrou-se tratando de viagens voltadas à comida tradicional, pesquisas de ingredientes e pratos populares, difusão de receitas típicas e críticas gastronômicas. Impossível não elogiar seu julgamento do nosso apetitoso pão de queijo.

Receita de pão de queijo

Rendimento: 30 pãezinhos

Ingredientes

.1/2 kg de polvilho doce

.3/4 de um copo (americano ou tipo requeijão cremoso) de óleo de milho

.3/4 de um copo (americano) de leite

.4 ovos de tamanho médio

.3 copos (americanos) de queijo Minas curado e ralado

.Sal a gosto

Modo de preparo

1.Misture o óleo com o leite e coloque para ferver.

2.Escalde o polvilho com a mistura acima. Deixe esfriar e misture os ovos inteiros.

3.Amasse bem até que a massa fique lisa.

4.Acrescente o queijo e finalmente o sal.

5.Faça bolinhas com o auxílio de uma colher de sobremesa e asse em forno médio, preaquecido, por aproximadamente 20 minutos.

Receita preparada pela mineira Regina Moreira de Alcântara.

A foto do pão de queijo é do craque Gladstone Campos.

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1 Comentário
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