Liquid Death
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Por Leonardo Tonini

Água. Caveira na embalagem. Produção na Europa. Fundador sem experiência no setor. Você investiria nesse negócio? A trajetória da marca Liquid Death quebra várias regras do mundo de consumo: produto sem diferencial, posicionamento transgressor, altos custos logísticos e zero experiência na indústria.

Não era pra dar certo. Mas ao superar $100 milhões de faturamento em 4 anos é a escolha perfeita pra começar essa série da Emerge Ventures sobre a trajetória de marcas emergentes.

Mais do que contar uma história de origem, o objetivo aqui é trazer reflexões acionáveis para empreendedores e executivos de marcas de consumo.

Um insight matador

Desculpem o trocadilho mas foi inevitável, rs.

A semente inicial da Liquid Death aconteceu 10 anos antes da criação da empresa. O fundador, Mike Cessario, percebeu em um festival de música que seus amigos estavam colocando água dentro de latinhas de energético enquanto tocavam no palco.

A necessidade de hidratação é universal, mas a oferta de produtos e marcas na época não se conectava àquele ambiente.

Essa observação levou a um insight poderoso, nas palavras do fundador:

“Por que não existem mais produtos saudáveis com uma marca divertida, irreverente e descolada? Porque a maioria das marcas mais memoráveis são de junk food”

Desse insight original até a execução agressiva do marketing da marca (já vamos chegar nas caveiras) é um grande pulo e fala muito do talento do empreendedor. E o principal aprendizado é o seguinte:

Ter um ponto de vista único e autoral, com base em comportamento do consumidor, é fundamental pra encontrar um espaço em branco no mercado.

Ou você acha que o mundo precisava de mais uma marca de água vendendo pureza vital das montanhas, de cor azul, em garrafa plástica?

Águas engarrafadas: mais do mesmo

Nada substitui a observação de como as pessoas se comportam pra gerar novas ideias em marcas de consumo.

Como um vídeo validou a ideia antes do produto real existir

Quem me acompanha com certeza já me ouviu falar sobre a importância de criar e validar hipóteses no digital antes de desenvolver produtos reais.

Grandes empresas estão acostumadas a testar ideias e conceitos em pesquisas com o consumidor.

Um teste de conceito nada mais é do que uma imagem e um texto explicativo pra avaliar intenção de compra. Nada pode ser mais frio, racional e distante de como os consumidores se comportam no mundo real.

O caso de validação da Liquid Death é emblemático: sem conseguir captar dinheiro pra começar a empresa ele criou uma página no Facebook, gravou um comercial criativo e de baixo custo pra apresentar o produto e impulsionou através de mídia digital paga (confira o resultado no vídeo abaixo).

Com um investimento de menos de $10 mil em tudo isso, o vídeo atingiu 3 milhões de visualizações e consultas de distribuidores começaram a aparecer. Foi o suficiente pra convencer investidores a apostarem $1,6 milhões no começo de 2019 pra desenvolver o produto e estruturar o e-commerce.

O aprendizado aqui é simples e impactante:

Encontre maneiras criativas de descobrir se existe demanda pela sua ideia antes de gastar milhares de horas refinando produtos com base em seu gosto pessoal.

Fãs, e não consumidores

Um dos elementos críticos no sucesso da marca foi o foco extremo em um nicho inicial: fãs de heavy metal e punk rock.

Essa tribo estava acostumada a escolhas menos obvias e se identificou com o tom de humor sarcástico e irreverente de uma marca que não nasceu pra agradar a todos.

O produto foi distribuído inicialmente em bares, estúdios de tatuagem e outros locais que esses grupos frequentavam e em que o consumo fosse público, o que gerava conversas espontâneas sobre a marca.

Conversas do tipo:

“Que cerveja nova é essa que você está tomando?”

“Não é cerveja, é água.”

“Sai daqui. Não pode ser!”.

A mentalidade de criar fãs ao invés de consumidores é o que permite iniciar o negócio com venda recorrente e manter custos de aquisição baixos através de divulgação orgânica

Óbvio que para o negócio escalar é preciso atravessar para o mercado de massa, e foi isso que a empresa fez posteriormente ao perceber que a necessidade de estimular o consumo de bebidas saudáveis era maior do que no nicho inicial.

Inclusive essa era uma grande dor das mães americanas na alimentação dos seus filhos. O resultado? Veja a propaganda veiculada no Super Bowl de 2022.

Marketing de choque: a competição é pela atenção

A falta de experiência do fundador Mike Cessario no setor de bebidas foi totalmente compensada pelo background dele como publicitário.

Marca é o nome do jogo em consumo. E nada melhor do que ter um fundador que não somente entende isso mas que idealizou ele mesmo a identidade da marca.

Sem agência terceirizada. O trabalho foi dele e de uma equipe interna. E com um direcional simples de entender mas difícil de executar:

“A única forma dessa marca ter alguma chance de sobrevivência é que o produto seja insanamente interessante, com o marketing incorporado no produto”.

O marketing agressivo e que à primeira vista parece uma tática de choque é nada mais do que uma desculpa pra arrancar alguma risada dos seus consumidores e ter a chance de ser compartilhado e notado.

Uma nova marca entrando num mercado dominado por gigantes não tem como brigar com as mesmas armas. Criatividade para entreter o consumidor é o que permite você ser notado.

O mais interessante desse caso é que geralmente associamos entretenimento com categorias mais emocionais, o que definitivamente não é o caso de água. O que só reforça que esse é um caminho que vale a pena ser explorado por novas marcas.

Sobrevivendo ao vale da morte: marca vem antes de distribuição

Poucas marcas de bens de consumo sobrevivem ao “vale da morte”, como chamamos os primeiros anos de desenvolvimento de um novo negócio.

E o principal fator de mortalidade é a busca por crescimento via distribuição antes de criar uma identidade clara de marca.

O enredo é conhecido: com caixa curto o foco está em garantir novos pedidos, que vem através de abertura de novas contas, o que direciona a empresa a colocar todo o dinheiro e foco na área comercial.

E o final da história costuma ser uma morte lenta: sem conhecimento de marca os produtos ficam parados na prateleira até serem devolvidos alguns meses depois com um provável descadastramento no varejo.

O caminho escolhido pela Liquid Death foi bem diferente: durante o primeiro ano a marca escolheu a dedo em quais locais queria estar presente com uma distribuição bem limitada.

Os canais escolhidos: e-commerce pra aproveitar a tração social gerada pela mídia digital; cerca de 1000 bares e outros espaços sociais frequentados pelos consumidores iniciais; e um teste nas lojas de conveniência 7-eleven apenas na região da California. Nada mais.

Ação de Halloween em um bar.

O Whole Foods, maior rede de produtos saudáveis dos EUA, entrou somente em 2020.

Ao invés de colocar capital em estoque para expansão de distribuição, a grana disponível continuou sendo alocada em marketing para gerar conhecimento e diferenciação.

Quando decidiram expandir o modelo de distribuição a partir de 2021 a demanda já estava lá, condição fundamental para o crescimento exponencial de 10x no faturamento nos últimos 2 anos até chegar aos atuais 60 mil pontos de venda.

Criar conhecimento de marca antes de expandir distribuição permite entrar nas lojas certas, reter a base inicial de clientes, e refinar o composto de marketing antes de comprometer caixa para expansão.

Considerações finais

Como comentei no começo do texto o objetivo não era trazer uma formula pronta, mas compartilhar alguns aprendizados da ascenção da Liquid Death pra gerar reflexão em quem está envolvido no mundo de bens de consumo.

Leonardo Tonini é co-fundador da Emerge Ventures.

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