Além da erva-mate nacional, alimentos da China, México e Espanha também receberam novas designações no SIPAM
O sistema agroflorestal tradicional de cultivo da erva-mate, no Paraná, é uma das seis novas adições aos Sistemas Importantes do Patrimônio Agrícola Mundial (SIPAM), um reconhecimento global da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Esse é o segundo sistema reconhecido pela FAO no Brasil, após o Sistema de Agricultura Tradicional da Serra do Espinhaço.
Os SIPAMs são sistemas agrícolas que geram meios de subsistência em áreas rurais, combinando biodiversidade, ecossistemas resilientes, tradição e inovação de maneira única. No interior do Paraná, o cultivo da erva-mate sob a sombra da Floresta com Araucárias é um deles: uma prática ancestral, herdada dos povos indígenas Guarani e Kaingang, que fortalece a preservação de um dos ecossistemas mais ameaçados de mundo, ao mesmo tempo em que garante a soberania alimentar e a identidade cultural.
“Diante dos crescentes impactos da variabilidade climática, eventos extremos e perda de biodiversidade sobre a agricultura e os agricultores, esses sistemas são pontos de luz que mostram como as comunidades podem recorrer a conhecimentos e práticas ancestrais para garantir alimentos, proteger empregos e meios de vida e manter paisagens agrícolas únicas e sustentáveis”, disse Kaveh Zahedi, Diretor do Escritório de Mudanças Climáticas, Biodiversidade e Meio Ambiente da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). “Os sistemas do patrimônio agrícola são exemplos vivos de harmonia entre pessoas e natureza, que prosperaram e evoluíram ao longo das gerações e têm muito a nos ensinar enquanto nos adaptamos a um futuro incerto.”
Além da erva-mate brasileira, outros seis sítios foram reconhecidos como SIPAM: três na China – especializados em mexilhões de água doce, chá branco e peras; um sistema ancestral que preserva culturas alimentares vitais e a biodiversidade, no México; e um sistema agrícola distinto na paisagem vulcânica da ilha de Lanzarote, na Espanha.
Os sistemas foram formalmente designados durante uma reunião do Grupo Consultivo Científico do SIPAM, realizada de 19 a 21 de maio. Com as novas adições, a rede mundial de sistemas agrícolas patrimoniais da FAO passa a contar com 95 sistemas em 28 países. Os sistemas recém-designados elevam o total para dois no Brasil, 25 na China (o maior número entre todos os países), três no México e seis na Espanha.
Erva-mate sombreada no Paraná, Brasil
Há mais de cinco séculos, povos indígenas e comunidades tradicionais do sul do Brasil cultivam a erva-mate em sistemas agroflorestais sombreados, baseados em práticas ancestrais e agroecológicas. As folhas da espécie nativa são tradicionalmente consumidas como chimarrão, tererê ou mate, também em países como Argentina, Uruguai e Paraguai.
Numa região fortemente impactada pelo desmatamento, onde resta apenas 1% da floresta original, esse sistema oferece um raro exemplo de práticas agrícolas que preservam a cobertura florestal, enquanto sustentam meios de vida e o patrimônio cultural.
Além disso, o cultivo da erva-mate é combinado com culturas alimentares, plantas medicinais, frutas e criação de animais em pequena escala, em áreas sombreadas dentro de parcelas florestadas. Como resultado, esse sistema mantém mais de 100 espécies de plantas, abelhas nativas, aves e animais silvestres, e sustenta milhares de famílias agricultoras que colhem, beneficiam e comercializam a erva-mate.
Apesar de sua importância cultural e ecológica, o desmatamento, a mudança no uso da terra e o avanço das monoculturas ameaçam as paisagens florestais onde o sistema está enraizado. Muitos pequenos produtores enfrentam dificuldades com os baixos preços de mercado e o acesso limitado a apoio público ou cadeias de valor. Sem maior reconhecimento, investimento e envolvimento da juventude, esse sistema único permanece vulnerável, apesar de seu potencial para apoiar a biodiversidade, os meios de vida e a resiliência climática.
Novos inclusões no SIPAM na China, no México e na Espanha
Na China, sistemas agrícolas tradicionais vêm sendo preservados há séculos e representam modelos notáveis de sustentabilidade. Em Deqing, o cultivo conjunto de peixes e mexilhões perlíferos integra aquicultura, agricultura e artesanato, gerando pérolas, arroz e seda enquanto protege os ecossistemas aquáticos. Já em Fuding, o sistema cultural do chá branco baseado práticas naturais e em um forte vínculo cultural com a terra, preservando dezenas de variedades agrícolas e espécies nativas. Em Shichuan, um sistema agroflorestal baseado em grandes pomares de pera resiste a secas e enchentes, utilizando práticas que mantêm a fertilidade do solo e a biodiversidade local.
No México, o sistema ancestral Metepantle, mantido há mais de três mil anos por famílias em Tlaxcala, mostra como o conhecimento do povo indígena Nahua pode sustentar a segurança alimentar e a conservação da biodiversidade em ambientes áridos. Cultivado em terraços, o sistema reúne milho, agave, feijão, abóbora e espécies silvestres, promovendo a resiliência ecológica e sociocultural. A conservação coletiva de sementes, associada a práticas agrícolas adaptadas ao clima, fortalece a soberania alimentar e os modos de vida locais diante das mudanças climáticas.
Na Ilha de Lanzarote, Espanha, agricultores desenvolveram um sistema único que transforma paisagens vulcânicas hostis em áreas produtivas. Utilizando cinzas vulcânicas (lapilli) e areia marinha (jable) para reter umidade e proteger os cultivos dos ventos intensos, produzem uvas, batatas-doces e leguminosas sem necessidade de irrigação. Com mais de 12 mil hectares, esse sistema alia inovação, adaptação ao meio e preservação do patrimônio cultural, sendo um exemplo de agricultura sustentável em condições extremas.