Por: Luis Madi
Leitores de dois grandes jornais paulistas começaram o ano com um sinal de alerta quanto aos alimentos “ultraprocessados”. Merenda menos saudável predomina na escola particular foi a primeira manchete de 2025 d’O Estado de S. Paulo, que retomou o mesmo assunto 12 dias depois na seção Notas e Informações, sob o título Negligência na cantina da escola. Ao mesmo tempo, na véspera, o Correio Popular, de Campinas, deu destaque à definição dos alimentos “ultraprocessados” na coluna Xeque-Mate da Saúde, que intitulou Comida que não é comida.
Destacando nas páginas internas Lanche menos natural domina o recreio, a matéria manchete do Estadão explorou a informação de que “escolas particulares vendem 50% mais ultraprocessados do que alimentos in natura ou minimamente processados” com base no estudo Comercialização nas Escolas Brasileiras. Abrangendo 2241 cantinas de escolas voluntárias e 699 comércios ambulantes de alimentos e bebidas no entorno, o levantamento foi feito nas capitais brasileiras e no Distrito Federal por 24 instituições de ensino e pesquisa, sob liderança da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em parceria com o Instituto Vox Populi entre 2022 e 2024.
Essa grande diferença de consumo entre escolas particulares e públicas se deve basicamente ao fato de que a rede privada não é abrangida pela resolução do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), que limita a compra de processados e “ultraprocessados” em 20% do orçamento e de ingredientes culinários em 5%, assim como proíbe aquisição de itens como refrigerantes, refrescos artificiais, bolacha recheada e barra de cereal.
A intenção da pesquisa e do Pnae são boas, mas equivocam-se ao usar como base alimentos “ultraprocessados”, categoria introduzida de forma inadequada pela classificação NOVA na segunda edição do Guia Alimentar para a População Brasileira. Aliás, na coletiva de imprensa em comemoração a uma década do Guia, ficou evidente a necessidade de melhor definição dos critérios dessa classificação. O resultado prático tem sido a redução do acesso a alimentos e bebidas nutricionalmente importantes para os estudantes.
Nesse contexto, foi uma surpresa ter toda uma coluna do Correio Popular, em pleno 2025, estar tomada pela classificação criada em 2009 e trazida pelo Guia em 2014, pois sua definição transformou-se com o passar dos anos. Aliás, esse é o mesmo erro básico de quase todas as matérias sobre “ultraprocessados” e a percepção passada é de falta de atualização e isenção de quem divulga o tema. Inclusive há dificuldade de compreensão do termo desde os especialistas na área até os consumidores.
Nós, do ITAL – Instituto de Tecnologia de Alimentos, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Governo do Estado de São Paulo, consideramos que essa falta de clareza levou a uma generalização em que todo alimento produzido pela indústria com alto teor de gordura saturada, sódio e/ou açúcar, e aditivos, mesmo que aprovados pela Anvisa, é considerado “ultraprocessado”.
Não à toa, começou neste mês na Dinamarca o projeto de pesquisa UPDATE (Ultra-Processed fooDs, nutrients And Their health Effects), financiado pela Novo Nordisk Foundation tion, com o objetivo de desenvolver até o fim do próximo ano uma nova geração da classificação NOVA, considerando tanto o conteúdo nutricional quanto seus efeitos na saúde. A pesquisadora responsável, Susanne Gjedsted Bügel, ressalta que essa atualização é necessária, pois “em termos de perspectivas de saúde, a NOVA é imprecisa e pode levar a uma classificação incorreta”.
Essa preocupação também está em pauta no FDA, agência reguladora de alimentos nos Estados Unidos, que publicou na última semana proposta de rotulagem nutricional frontal para consulta pública e comentários até 16 de maio. Diferente da regra adotada no Brasil, em que apenas é exibida a informação “alto em” açúcar adicionado, gordura saturada e/ou sódio, o FDA propõe detalhar a porcentagem de cada um desses três nutrientes em relação à recomendação diária, expondo a porção exata que está sendo considerada.
Estamos esperançosos de que os critérios da classificação NOVA finalmente sejam reavaliados e modificados para que uma classificação mais adequada seja adotada no Brasil e no mundo. Afinal, o objetivo deve ser o consumo moderado de alimentos calóricos com alto teor de gordura saturada, sal e/ou açúcar adicionado, independente se foram produzidos industrialmente, artesanalmente ou em casa.
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