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Há potencial de eficiência a ser destravado com a integração dos setores e a modernização financeira do agro brasileiro

O agronegócio brasileiro, responsável por cerca de um quarto do PIB nacional e quase metade das exportações, movimenta mais de 2 trilhões de reais por ano e se posiciona como um dos maiores protagonistas na segurança alimentar global. Essa grandiosidade, no entanto, convive com desafios estruturais que comprometem o pleno potencial do setor. A ausência de governança consolidada, padronização financeira e transparência limita o acesso do agro às oportunidades mais avançadas oferecidas pelo mercado de capitais. Nesse contexto, os Fiagros — fundos de investimento nas cadeias produtivas agroindustriais — surgem como uma ferramenta de transformação, indo além do financiamento e impulsionando mudanças estruturais que o setor precisa adotar com urgência.

Os Fiagros representam uma evolução significativa no modelo de financiamento do agronegócio. Desde sua criação, esses fundos têm demonstrado um apetite crescente de investidores, conectando recursos do mercado financeiro diretamente às cadeias produtivas. Em 2024, o patrimônio líquido desses fundos dobrou, atingindo quase 41 bilhões de reais, evidenciando a crescente relevância dessa ferramenta. No entanto, o crescimento também revelou fragilidades. O aumento expressivo nos pedidos de recuperação judicial no setor, combinado com a volatilidade de preços das commodities e o impacto de condições climáticas adversas, trouxe desafios tanto para investidores quanto para os produtores. Foram 124 pedidos de recuperação judicial no primeiro semestre de 2024, um aumento de mais de 80% em relação ao ano anterior. Esses números demonstram que, embora o mercado financeiro e o agro estejam cada vez mais conectados, ajustes são necessários para alinhar conhecimentos e expectativas.

As dificuldades de 2024 evidenciaram erros de ambos os lados. Gestores financeiros, muitas vezes inexperientes nas particularidades do agro, subestimaram os riscos inerentes ao setor, estruturando financiamentos com pouca flexibilidade para lidar com eventos como frustrações de safra ou aumentos abruptos de custos. Por outro lado, produtores e empresas do agronegócio, em busca de capital para expansão, frequentemente tomaram recursos sem compreender as implicações contratuais ou negociar adequadamente cláusulas para proteção em cenários adversos. Esses desencontros criaram um ambiente de tensão, mas também forneceram lições valiosas para a evolução dessa relação.

A integração entre o mercado financeiro e o agro não é apenas necessária; é inevitável. O episódio de 2024 deve ser encarado como um marco de aprendizado, não como um obstáculo. Para que essa integração ocorra de maneira mais equilibrada, é imprescindível investir em educação financeira, tanto para produtores quanto para gestores de recursos. Além disso, é fundamental adotar estruturas de financiamento mais resilientes, como contratos flexíveis que considerem renegociações em casos de força maior, e instrumentos de mitigação de risco, como seguros agrícolas mais amplos e o uso de ferramentas de hedge de preços.

A experiência americana pode ser uma referência valiosa para o Brasil. Nos Estados Unidos, o financiamento do agro combina o protagonismo do mercado financeiro com o suporte estratégico do governo. O Farm Credit System, por exemplo, é uma rede cooperativa que capta recursos diretamente no mercado de capitais e os direciona aos produtores com eficiência. Paralelamente, o Farm Bill oferece subsídios, seguros agrícolas subvencionados e garantias de crédito, equilibrando os interesses do mercado com a necessidade de proteção dos pequenos e médios produtores. O Brasil, com uma base já significativa de financiamento privado, poderia adotar um modelo híbrido semelhante. A criação de um Fundo de Aval Agropecuário, inspirado no Fundo Garantidor de Créditos (FGC), seria um passo estratégico. O FGC trouxe estabilidade ao sistema bancário ao garantir depósitos de até 250 000 reais, aumentando a confiança no mercado. Um fundo similar no agro poderia desempenhar papel semelhante, reduzindo os riscos para investidores e produtores e fortalecendo a estrutura de financiamento do setor.

Além disso, é preciso reconhecer o potencial de eficiência que pode ser destravado com a modernização financeira do agro brasileiro. Dados do IBGE mostram que, embora 84% dos estabelecimentos agropecuários sejam familiares, eles correspondem a apenas 23% do valor total da produção. Esse dado reflete como a profissionalização e a escala podem gerar um impacto significativo na produtividade e na competitividade. O mercado de capitais, por sua vez, oferece a oportunidade de alavancar esse processo, ao mesmo tempo em que exige governança, transparência e organização.

O Brasil vive um momento decisivo. Os Fiagros são mais do que uma ferramenta de financiamento; são o início de uma transformação que conecta o campo ao mercado financeiro, rompendo barreiras históricas. As dificuldades de 2024 reforçam a urgência de avançar com responsabilidade e profissionalismo, aprendendo com os erros e construindo um sistema mais resiliente. O futuro do agronegócio brasileiro depende dessa integração, que, se bem conduzida, pode posicionar o país como referência global em competitividade, eficiência e inovação. O que está em jogo não é apenas a modernização do agro, mas a consolidação de um modelo que unirá o tradicional e o moderno, garantindo que o Brasil continue como protagonista no cenário global.

*Gustavo Junqueira é empresário e atua nos conselhos de administração do fundo Exagon, da Alper Seguros, da AgriBrasil e da Capturiant. Foi secretário estadual de Agricultura em São Paulo

Artigo originalmente publicado por Veja Negócios, em https://veja.abril.com.br/coluna/cenario-global/mercado-de-capitais-e-agro-o-caminho-para-um-brasil-mais-forte-no-campo


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