Por: Luis Madi
Os alimentos ultraprocessados são frequentemente temas de matérias na imprensa, mas duas publicações recentes da BBC News Brasil chamam a atenção por sua abertura ao diálogo: Como identificar alimentos ultraprocessados e Por que talvez nunca vamos saber a verdade sobre os alimentos ultraprocessados.
Em linhas gerais, elas representam um importante avanço para a melhoria da comunicação sobre alimentos processados com o público em geral, incentivada há três anos pelo cientista e docente emérito Rob Shewfelt, conforme abordado no artigo A ciência e a tecnologia no debate sobre alimentos processados no Brasil.
Falta de embasamento sobre alimentos ultraprocessados
Na primeira matéria, é ressaltado o fato de que não há uma definição única para “ultraprocessados” e mesmo assim um levantamento afirmou que a maioria dos alimentos consumidos pelos EUA e pelo Reino Unido são “ultraprocessados”. Como isso é possível?
A primeira definição destacada considera alimentos “ultraprocessados” aqueles que em geral contêm ingredientes não utilizados na culinária caseira. Isso é parcialmente equivocado considerando que os ingredientes usados na indústria são uma adaptação dos usados em casa para garantir o padrão de qualidade e segurança na produção em larga escala.
Outras definições vagas são citadas como “alimentos com mais de cinco ingredientes provavelmente serão ultraprocessados” e “ultraprocessados costumam ser ricos em sal, açúcar e gorduras saturadas”.
A falta de lógica fica visível no gráfico produzido pela BBC com exemplos de alimentos distribuídos nas quatro categorias da classificação NOVA, introduzida há dez anos na segunda edição do Guia Alimentar para a População Brasileira: enquanto presunto, queijo e pão caseiro são listados como alimentos processados, pão de supermercado, refeição pronta, bolo e batata frita são “ultraprocessados”.
O que muda de um pão para outro? O que tem de “ultraprocessado” numa refeição composta, por exemplo, por arroz, feijão, legumes e proteína animal previamente cozidos? Somente batata, sal e óleo tornam o alimento “ultraprocessado”? Então todo bolo é “ultraprocessado”? Também devem ser assim denominados alimentos como feijoada e pudim feitos em casa?
Outro aspecto ressaltado pela matéria é a falta de evidências definitivas sobre o impacto da ingestão de alimentos ultraprocessados na saúde. Inclusive medidas contrárias a seu consumo não surtiram efeito: no Chile, as taxas de obesidade infantil continuaram a aumentar mesmo quatro anos depois da adoção de advertência nos rótulos de produtos alimentícios ricos em calorias, gordura, açúcar e sal, e da restrição de sua publicidade e promoção para crianças.
Moralização da comida
A segunda matéria da BBC tem como foco a falta de concordância entre os especialistas sobre exatamente como os alimentos ultraprocessados afetam a saúde humana, apesar de haver um crescente número de pesquisas sobre o tema: todas são estudos observacionais que não determinam quais aspectos do processamento podem ser maléficos.
O pesquisador sênior em dieta e obesidade Nerys Astbury, da University of Oxford, no Reino Unido, considera que seria extremamente complexo, caro e exaustivo provar que alimentos ultraprocessados causam doenças. Líder de nutrição e medicina baseada em evidências da Aston University, também do Reino Unido, Duane Mellor afirma que não há como provar que alimentos específicos são bons ou ruins, mas apenas mostrar benefícios e riscos potenciais. Para o especialista, é “ciência pobre” afirmar o contrário.
O compatriota Gunter Kuhnle, professor de nutrição e ciência alimentar da University of Reading, frisa que o conceito “alimentos ultraprocessados” é vago e transmite uma mensagem negativa, deixando as pessoas confusas e com medo de comer. Outro especialista em nutrição do Reino Unido, o pesquisador sênior da University College London Adrian Brown, pede atenção à “moralização da comida”, lembrando que viver sem os “ultraprocessados” é caro e preparar refeições do zero demandam tempo, esforço e planejamento. Como exemplo, a matéria cita relatório da The Food Foundation que aponta que os 20% mais pobres da população do Reino Unido precisariam gastar metade de sua renda em alimentos que atendam às recomendações governamentais de dieta saudável.