Por José Antônio Dias Lopes*
Dez de julho é o da pizza, a principal contribuição gastronômica dos imigrantes napolitanos à cozinha que os italianos meridionais introduziram, adaptaram ou inventaram em São Paulo. Recorde-se que eles se instalaram sobretudo nos bairros da Zona Leste da cidade, no Brás, Belenzinho e Mooca; e, afinal, também no Bixiga, no Centro. Muitos trabalhavam nas indústrias do conterrâneo Francesco Antônio Maria Matarazzo; ou no grande cotonifício aberto pelos sócios Rodolfo Crespi e Pietro Regoli; ou no comércio paulistano que se encontrava em acelerado desenvolvimento; e, finalmente, no Mercado Municipal de São Paulo, inaugurado em 1933. Mas quase todos moravam mal, dividindo casas modestas ou apinhados em cortiços.
Faziam pizza para comer ou vender na rua e reforçar o minguado orçamento doméstico. O substancioso alimento tinha massa grossa, borda alta e cobertura pouco variada. Levava habitualmente molho de tomate cru e lâminas de mozzarella ou filezinhos de alici com ou sem o queijo. Também alimentava a família ou os amigos nas refeições comunitárias de domingo. A pizza que comercializavam nas ruas tinha tamanho grande e era servida em pedaços; quando menor, chamavam-na de brotinho e ofereciam inteira à clientela.
Quem morava em casa com quintal, assava-as no forno de barro construído nos fundos. Os menos abonados, que viviam em cortiços, podiam fazer isso no forno de uma das padarias dos portugueses ou espanhóis que existiam no Brás, Belenzinho e Mooca. Homens jovens e adultos imitavam o que já ocorria em Nápoles: acomodavam a pizza em um tambor de metal, que media cerca de 30 centímetros de diâmetro por 90 de altura, e ofereciam à população. Na parte inferior daquela “estufa” ardia carvão em brasa, posteriormente substituído por uma espiriteira, pois era necessário manter o alimento quente. O tambor ficava dependurado no corpo do ambulante em tiras de couro cru. A clientela consumia a pizza como lanche ou refeição ligeira.
O pizzaiolo ambulante aparecia em finais de semana e feriados nos campos de futebol das várzeas do Glicério, no Tamanduateí, como o do Clube Atlético Juventus, situado no coração da Mooca e fundado em 1924. Vendia um alimento apetitoso que nasceu em Nápoles, porém de origem ancestral. A pizza descende da picea dos romanos, que depois virou pitta e, finalmente, recebeu o nome atual. Eles a assimilaram dos gregos, que preparavam e assavam massas de farinha de trigo, arroz ou grão-de-bico. Alguns pesquisadores sustentam que muito antes os babilônios e egípcios faziam o mesmo.
Até prova em contrário, a primeira pizzaria aberta em São Paulo foi a Santa Genoveva, fundada em 1910 na Avenida Rangel Pestana, esquina Rua Monsenhor Anacleto, no Brás. Pertencia a Carmino Corvino, o D. Carminiello (seu descendentes falam D. Carmenielo), um italiano de Salerno, a 56 quilômetros de Nápoles, chegado a São Paulo em 1897. Como outros pioneiros da pizza na cidade, começou vendendo-a na rua. Assava-a no forno de barro que construiu em casa. Quando juntou algum dinheiro, D. Carminiello inaugurou a Santa Genoveva. Existiram lugares que venderam pizza antes, mas não a preparavam exclusivamente, pois eram restaurantes singelos e de comida italiana variada.
A pizzaria de D. Carminiello virou ponto de reunião dos imigrantes italianos em São Paulo, sobretudo dos barulhentos napolitanos. Por sinal, ele era o mais esfuziante do grupo. Além de preparar cinco variações de pizza – mozzarella, napolitana, calabresa, alice e mezzo a nezzo (alice e mozzarella) – Dom Carminiello divertia os presentes cantando com sua voz tonitruante canções populares da terra natal. Segundo o historiador Geraldo Sesso Júnior, no livro “Retalhos da Velha São Paulo” (Câmara Municipal de SP, 1983), uma das suas favoritas era Marecchiare, sucesso mundial do também meridional tenor lírico Tito Schipa: “Quando nasce a lua em Marechiaro,/ Também os peixes fazer amor./ Reviram-se as ondas do mar,/Pela alegria mudam de cor”. Beniamino Gigli e outros tenores famosos também interpretariam Marechiaro.
O dia da pizza é festejado a 10 de julho desde 1985. Foi instituído em São Paulo pelo então coordenador de Turismo na Secretaria de Esporte e Turismo do estado, Caio Luiz Cibella de Carvalho. Ele se impressionou com a repercussão de um concurso que elegeu as 10 melhores receitas de mozzarella e margherita da cidade. A fim de coroar o evento, escolheu a data de seu encerramento para a comemoração nos anos seguintes.
Quem igualmente deve receber homenagens é a Cantina e Pizzaria Castelões, da rua Jairo Gois, 126, no Brás. Completa cem anos de fundação em 2024. Nenhuma outra funcionou por tanto tempo. Permanece no comando da família de um dos fundadores e mantém uma clientela fiel, para a qual retira do forno a cada noite cerca de cem pizzas de fermentação prolongada, entre as quais destacam-se a gorgonzola e a calabresa com cebola. Chegam à mesa com massas crocantes e elásticas. A decoração da casa é antiga e não prima pelo bom gosto; a rua em frente, escura e maltratada. Mas quem quiser saborear uma pizza raiz precisa ir à Castelões.
MASSA BÁSICA DE PIZZA
Rende 7 discos
INGREDIENTES
MASSA
- 1kg de farinha de trigo tipo “00”
- 550ml de água (aproximadamente)
- 20g de sal
- 3g de fermento biológico seco
- 20ml de azeite extravirgem de oliva
- 10g de açúcar
- Farinha para polvilhar a superfície de trabalho
Obs.: use o azeite e o açúcar somente se for assar a pizza em forno convencional. Para forno a lenha do tipo napolitano bastam os primeiros 4 ingredientes.
PREPARO
FORMAÇÃO DA MASSA
- Em uma vasilha grande, coloque a água, metade da farinha e os demais ingredientes. Misture bem, com a ajuda de um garfo.
- O restante da farinha deve ser colocado gradualmente, até que a massa comece a se desprender dos dedos e da vasilha.
- Retire toda a massa da vasilha e coloque-a sobre uma superfície lisa, preferencialmente de granito ou mármore, já enfarinhada.
- Sove bem a massa. Se ainda estiver pegajosa, acrescente um pouco mais de farinha e continue, até resultar numa massa lisa, sedosa, macia e elástica. Essa operação dura cerca de 30 minutos.
LEVEDAÇÃO DA MASSA
- Devolva a massa à vasilha, cubra-a com filme plástico e deixe-a repousar em ambiente com temperatura entre 18 e 25°C ou, se estiver muito calor, na parte inferior da geladeira, por cerca de 4 a 6 horas.
- Duas horas antes de começar a fazer os discos da pizza, retire a massa levedada da geladeira. Em seguida, separe-a em porções de 200g e dê a cada uma das porções o formato de uma pequena bola (panetto).
- Coloque as bolas (panetti) em caixas, bandejas ou recipientes plásticos grandes com tampa e deixe levedar novamente, em temperatura ambiente, cobertas com um pano de prato de algodão, por cerca de 2 horas. Passado esse tempo, a massa estará pronta para ser utilizada.
ELABORAÇÃO DOS DISCOS DE PIZZA
- Com um movimento do centro para a parte externa e com a pressão da parte interna das duas mãos, faça discos de massa com cerca de 35cm cada um, de modo que a borda não seja superior a 1 ou 2 cm, ficando um pouco mais alta que o centro e formando assim a borda (cornicione).
MOLHO DE TOMATE PARA PIZZA
Rende o suficiente para a cobertura de 7 discos de pizza
INGREDIENTES
- 1kg de tomates (preferencialmente do tipo italiano, de formato alongado, maduros, porém firmes)
- 10g de sal
PREPARO
- Para retirar a casca dos tomates, faça um corte superficial, em cruz, com uma faca afiada, na ponta de cada um deles.
- Em uma panela com água fervente, coloque os tomates, deixando-os de molho por cerca de 30 segundos. Retire-os e transfira-os imediatamente para uma vasilha com água e muito gelo, interrompendo, assim, o cozimento. Quando esfriarem, a casca poderá ser retirada com facilidade, bastando puxá-la, delicadamente, com a ponta dos dedos.
- Descarte então o pedúnculo, com o auxílio de uma faca de ponta. Corte os tomates ao meio, descartando também as sementes. Bata os tomates aos poucos e rapidamente no liquidificador.
- O molho não deve ficar fluido, mas em pedaços grosseiramente desfeitos. Para terminar, coloque o sal e misture bem.
FINALIZAÇÃO DA PIZZA
- Espalhe o molho de tomate sobre os discos de pizza, cuidando para que a borda fique sem molho. Asse em forno a lenha, muito quente (temperatura entre 400° a 450°C), por aproximadamente 1 minuto e meio, até a borda começar a dourar. Gire-a para que asse por igual.
- Retire e sirva imediatamente.
Receita de Alexandre Bronzatto, neto de napolitanos e pizzaiolo amador em São Paulo.
IMAGENS
- Pizza calabresa (Foto do craque Luiz Henrique Mendes).
- D. Carminiello, que abriu em 1910 a provável primeira pizzaria de São Paulo (Divulgação).
- Vendedor ambulante de pizza em Nápoles, figura imitada em São Paulo no início do século XX (Divulgação).
*José Antônio Dias Lopes é jornalista e escritor especializado em gastronomia histórica e colaborador do Food Forum News. Entre em contato conosco para projetos editoriais com o autor sobre temas de história da gastronomia.
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