Uma recente revisão de meta-análises com foco na relação dos alimentos ultraprocessados a condições adversas para a saúde humana repercutiu na mídia, com a afirmação de que esses alimentos estão diretamente associados a 32 doenças e sua ingestão aumenta em 50% o risco de morte relacionada a doenças cardiovasculares.
Como consumidor, fica difícil não se espantar com esse estudo considerando a relação direta de causa e efeito, mas, com a experiência de meio século como pesquisador científico do ITAL – Instituto de Tecnologia de Alimentos, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Governo do Estado de São Paulo, pondero alguns pontos importantes.
O estudo Ultra-processed food exposure and adverse health outcomes: umbrella review of epidemiological meta-analyses, aceito em 19 de janeiro pelo periódico The BMJ, identificou 430 artigos duplicados e acabou levando em consideração 12 estudos de meta-análise com 45 análises agrupadas. Os alimentos abrangidos são aqueles considerados ultraprocessados pela classificação NOVA.
Os alimentos ultraprocessados são realmente os vilões?
No artigo, esses alimentos são descritos como “ampla gama de produtos prontos para comer, incluindo snacks, refrigerantes, macarrão instantâneo e refeições prontas”, sendo considerados “formulações industriais compostas basicamente por substâncias químicas modificadas extraídas de alimentos, com aditivos que melhoram gosto, sabor, textura, aparência e duração e quase nenhuma inclusão de alimento integral”.
Nas divulgações na imprensa, a descrição variou entre “pães, cereais matinais, lanches e refeições congeladas que foram fabricados industrialmente com sabores e aditivos para torná-los mais agradáveis”, conforme publicou a Folha de S. Paulo, “formulações industriais basicamente feitas de substâncias quimicamente modificadas derivadas de alimentos e preparadas com sabor, textura, aparência e durabilidade aprimorados”, segundo matéria do Nutrition Insight.
Aliás, tal matéria destacou a fala do bioquímico e docente Wartin Warren, do Quadram Institute, no Reino Unido, que o artigo “reforça o que nós sabemos há algum tempo, que, em geral, certos alimentos ultraprocessados são ruins para a saúde humana”. Essa e outras reações de especialistas foram publicadas pelo Science Media Centre pouco mais de um mês após o estudo ter sido aprovado.
O também bioquímico e docente do Reino Unido Gunter Kuhnle, doutor em ciências naturais da University of Reading, ponderou que “os autores admitem que os dados não permitem estabelecer causalidade e que devem haver outras razões além dos alimentos ultraprocessados que possam explicar os resultados”. Complementou ainda que “a qualidade da evidência que relaciona ingestão de alimento ultraprocessado e condições adversas de saúde é fraca”, sendo considerada de nível baixo e muito baixo pelo sistema GRADE.
Diretor de Análise Química do Departamento de Ciência dos Alimentos e Nutrição, Kuhnle também lembrou que o release divulgado à imprensa menciona forte relação desses alimentos com doenças, enquanto na verdade é moderada. Outro dado considerado fraco pelo especialista é a relação de aditivos como corantes, emulsificantes e adoçantes a desequilíbrio na microbiota intestinal e inflamações sistêmicas, pois nenhum deles são atualmente aceitos pelo sistema regulatório do Reino Unido e da União Europeia. Inclusive há emulsificantes considerados que são amplamente empregados em estudos com animais, não representando o consumo humano.
De minha parte, avalio que tem havido muita repercussão “polêmica” a respeito dos estudos com manchetes chamativas: não é bem o que está escrito no título. Considerando a necessidade de garantia da segurança alimentar, é preciso cautela em colocações negativas e positivas a respeito dos alimentos. Cabe lembrar que os chamados “ultraprocessados” não chegam a representar um terço da dieta em países como Colômbia (16%) e México (30%), conforme indicou a matéria do Nutrition Insight.