A população mundial não para de crescer, sendo urgente a busca por sistemas alimentares mais seguros, saudáveis e sustentáveis. Nesse contexto, chamam a atenção as limitações do termo “alimentos ultraprocessados” e a necessidade de bani-los da alimentação, questões que têm embasado estudos do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo, desde a adoção da classificação pelo Guia Alimentar para a População Brasileira. Nesse início de 2023, essas preocupações mereceram destaque em carta de posicionamento da FoodDrinkEurope, entidade europeia que reúne dezenas de associações e federações das áreas de alimentos e bebidas.
O senso comum de que há correlação entre maior quantidade de processamento e menor valor nutricional dos alimentos é a primeira incoerência apontada pela instituição internacional, já que são vários os exemplos em que o processamento e a formulação de produtos alimentícios melhoram a qualidade, como o aumento de fibras e a fortificação com micronutrientes. Através da ciência e tecnologia, também é possível produzir alimentos que atendam à crescente demanda do consumidor por dietas que contribuem com a redução do impacto ambiental.
Outro ponto destacado é a contradição e a falta de lógica das classificações que adotam o termo “alimentos ultraprocessados”. Após análise de mais de cem documentos técnico-científicos, pesquisadores da Universidade de Surrey e do Conselho Europeu de Informação Alimentar (EFIC) concluíram que a maioria (incluindo a NOVA introduzida pelo Guia Alimentar) não é embasada em evidências ligadas à nutrição e ao processamento de alimentos.
A FoodDrinkEurope também pontua que a terminologia não é clara nem para especialistas em nutrição humana e tecnologia de alimentos, que se confundem classificando alimentos saudáveis como ultraprocessados e ultraprocessados como saudáveis. É o que constatou recente estudo francês embasado na classificação NOVA, que é a mais referenciada mundialmente.
Mais um tópico destacado pela instituição europeia refere-se às consequências negativas do alerta contrário ao consumo de “ultraprocessados”, pois muitos alimentos que se enquadram nessa classificação são saudáveis, enquanto alimentos feitos em casa não necessariamente o são. Esse contexto pode levar a retirada de produtos saudáveis do mercado, redução da ingestão de fibras e micronutrientes e menor aceitação de inovações que permitem sistemas alimentares mais sustentáveis.
A garantia da segurança do alimento produzido pela indústria é outro ponto levantado pela FoodDrinkEurope, já que empresas das áreas de alimentos e bebidas precisam atender rigoroso regulamento de autoridade sanitária para colocar seus produtos no mercado.
Por fim, a entidade europeia lembra que classificações por si só não melhoram a saúde nem protegem o meio ambiente, sendo necessárias, portanto, soluções melhores como o estímulo ao estilo de vida saudável, a inovação com foco em saudabilidade e sustentabilidade, a educação para o consumo consciente, a acessibilidade e o marketing com ética e a transparência.
Começar o ano com esse incisivo posicionamento da FoodDrinkEurope (e de seu diretor geral Dirk Jacobs), conceituada entidade com a qual o Ital interage desde 2015 através de eventos técnico-científicos e visita institucional, é uma grande motivação para a continuidade dos estudos estratégicos e de tendências que o Instituto desenvolve há mais de uma década alinhado à missão de contribuir para a evolução das áreas de alimentos, bebidas e embalagem em benefício do consumidor e da sociedade.