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A bebida fermentada da polpa de açaí apresenta características físico-químicas e sensoriais semelhantes a alguns vinhos tintos

Os produtos naturais da Amazônia continuam a surpreender o mercado de alimentos e bebidas, com inovações e promoção econômica regional. Desta vez a novidade é o vinho tinto de açaí, bebida fermentada do fruto, que tem características físico-químicas e sensoriais similares a alguns vinhos tintos.

Produzida pelo empreendimento Flor da Samaúma, localizado em Macapá (AP), a bebida fermentada da polpa de açaí foi testada sob orientação da Embrapa Agroindústria Tropical (CE).

Tudo começa no final de 2021, quando João Alberto Capiberibe ganhou algumas garrafas de vinho tinto. de um amigo, residente no Estado do Acre. Entre elas, uma era diferente: tinha sido produzida com açaí! “Causou-me surpresa aquela garrafa entre as outras de vinho de uva, mas surpresa redobrada eu tive ao abri-la. Pois não é que seu conteúdo tinha cor de vinho, tinha cheiro de vinho, e ao provar, senti gosto de vinho. Era vinho!”, comenta João, entusiasmado com a descoberta.

O Vinho Florisa presenteado foi produzido artesanalmente no Acre por um mestre-cervejeiro. Ele decidiu fermentar a polpa do açaí para ver o que acontecia. A surpresa foi chegar a uma bebida com cor, aroma e sabor muito parecidos com o vinho de uvas viníferas. Foi o início de uma produção do vinho que passou a ser engarrafado.

João decidiu promover uma sessão de degustação do Florisa. “Convidei os reitores das universidades aqui do Amapá, do Ifap e a direção da Embrapa para uma degustação de dois vinhos, o Florisa de açaí do Acre, e o Portada, de Portugal. E foi surpreendente! Algumas dessas pessoas confundiram o vinho de açaí com vinho de uva, mas todo mundo aprovou o Florisa de açaí. Empolgados decidimos fabricar nosso próprio vinho”, ressalta o executivo.

“Quando moramos no Chile, fomos viver numa vinícola da Universidade do Chile, em Puríssima, na província de Talca. Ali, além de fazer vinho, usávamos o bagaço da uva para fazer o que eles chamam de Chicha, uma bebida fermentada de baixo teor alcoólico que é muito simples de fazer: esmaga a uva com os pés descalços e deixa fermentar até chegar a um ponto que a fermentação é suspensa e já se pode beber,” explica.

Ele e a esposa Janete chegaram à conclusão que poderiam fabricar o próprio vinho de açaí. Daí em diante passaram a produzir e a chamar os amigos para degustar. Para a surpresa, a aprovação foi geral, tanto que não pararam mais. Hoje, depois de 30 lotes experimentais de diferentes receitas, estão produzindo e engarrafando vinhos Flor de Samaúma com três sabores: seco, meio doce e suave.

Saudabilidade e sustentabilidade andam juntas no vinho tinto de açaí

Os perfis físico-químicos revelam a proximidade entre as duas bebidas, a partir de análise sensorial com 50 provadores, consumidores habituais de vinho. Ficou demonstrado que há uma atitude positiva de compra do produto e potencial de mercado.

O vinho de açaí, assim como o de uva, possui substâncias benéficas à saúde, as antocianinas e os taninos, antioxidantes que neutralizam os radicais livres do organismo humano e a eles se atribui poder de evitar entupimento das coronárias. Essas duas substâncias movimentam bilhões de dólares no mercado global.

De acordo com o chefe-geral da Embrapa Agroindústria Tropical, Gustavo Saavedra, a bebida da polpa de açaí, especificamente do rótulo Curiaú, surpreendeu os provadores. Ele acredita que o produto apresenta grande potencial de inserção mercadológica após passar por ajustes tecnológicos.

“O principal desafio é o de criar uma marca característica, que traduza o que é o produto para o grande público consumidor, uma vez que a denominação vinho é exclusiva para a matéria-prima uva”, observa o pesquisador.

Açaí: de “potencial veneno” regional a petróleo roxo da Amazônia

João reflete que o açaí já teve sua fama muito ruim no Norte do país. “O açaí já foi quase veneno! Sim, cresci ouvindo falar que comer manga e tomar açaí era morte certa. Ingerir bebida alcoólica depois de tomar açaí, nem pensar!”, destaca Capiberibe. 

E complementa: o açaí causava, (ou ainda causa?) acidez e má digestão e também deixava, (ou ainda deixa?) a boca roxa. Pense numa desqualificação sistemática! Ai daquele que saísse em defesa do açaí! Quem ousasse seria execrado como atrasado, contra o progresso.

“Naqueles anos pretéritos o vinho de açaí, hoje chamado de polpa, amassado a mão, tornou-se popular na periferia de Macapá, porém, por ser comida de pobre, enfrentou forte resistência pra entrar na classe média, que por puro preconceito, disseminou todo tipo de fake news para evitar seu consumo. Mas não teve jeito, ao que pese o preconceito, o açaí venceu! Tornou-se global, quem diria!”, comenta ele satisfeito. 

O petróleo roxo da Amazônia, como classifica João Alberto, movimenta hoje mais de dois bilhões de dólares por ano e, no mercado global, vai além dos vinte bilhões, após reprocessarem o fruto. Ou seja, lá fora eles abocanham 90% da riqueza produzida pelo açaí.

“O açaí já ganhou o mercado mundial, os produtos dessa matéria-prima feitos na vinícola tendem a ter o mesmo destino e podem contribuir fortemente com a economia local gerando emprego e renda com sustentabilidade”, avalia Capiberibe.

Primeiros passos para melhorar o produto e ganhar mercado

Na composição mineral, a bebida apresentou uma semelhança com fermentados de uvas Chardonnay e valores superiores aos de frutas como jaca, maçã e morango, coerentes com a composição do açaí. Os pesquisadores informam que a intensa cor vermelha, destacada pelos degustadores, precisa ser melhor caracterizada quanto à tonalidade.

O produto foi considerado límpido, encorpado e com adstringência típica de vinhos secos. Os provadores destacaram ainda o brilho e o aroma de fruta. O fabricante recebeu sugestões para corrigir o elevado aroma alcoólico, isso porque o sabor de fermentado foi considerado muito perceptível e a acidez elevada.

Na análise físico-químicas foram caracterizados aspectos como acidez, pH, teor de proteína, vitamina C, açúcares redutores, antocianina, intensidade de cor e minerais.

A amostra da bebida de açaí foi comparada ao fermentado de acerola e de alguns vinhos tintos brasileiros. Apesar de não ser um vinho de uva, a bebida de açaí está na faixa de acidez apresentada pelos vinhos de uvas Touriga Nacional, Tempranillo e Petit Verdot.

O percentual de 12% está dentro dos parâmetros da legislação brasileira, que traz valores entre 8,6% e 14% para vinhos finos. O teor de antocianina da bebida de açaí foi superior ao da bebida de acerola e compatível com algumas amostras de vinho Syrah e Tannat.

Quanto aos açúcares redutores, a equipe da Embrapa constatou que, de acordo com a legislação brasileira sobre vinhos e derivados de uva, a bebida fermentada de açaí é compatível com um vinho meio-doce, pois contém 13,5% de açúcares redutores.

“Estamos somente começando!”, afirma Capiberibe.

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2 Comentários
  1. […] Vem aí o vinho tinto de açaí!Pegada de carbono estampada no rótulo: por que é importante?ABRAS revela aumento no consumo de alimentos nos lares brasileiros […]

  2. […] 2 – Vem aí o vinho tinto de açaí! […]

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