Spaghetti
Reading Time: 4 minutes

Por: José Antônio Dias Lopes

Preparem o espírito e a boca também. Provavelmente entrará em moda no Brasil o condimentadíssimo spaghetti all’assassina, uma receita de massa diferente de todas as preparadas no mundo. Em nosso país, até agora só é encontrada em poucos restaurantes. Surgida na Itália, já conquistou os Estados Unidos – o sinal verde para espalhar-se por aqui. Lembram daquela frase polêmica disparada por Juracy Magalhães, o embaixador em Washington, nomeado pelo general Castelo Branco, primeiro presidente do regime militar de 1964? “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”, disse ele.

Brincadeiras à parte, a receita foi apresentada aos norte-americanos pelo ator, diretor, produtor e roteirista de televisão nova-iorquino Stanley Tucci, que divulga a paixão pela culinária dos seus ascendentes no programa “Em Busca da Itália”, da CNN. No final do ano passado, o spaghetti all’assassina virou tema de reportagem no “The New York Times”, assinada pelo jornalista norte-americano Steven Raichlen. Este, por sua vez, viajou à Puglia, terra natal da receita, só para prová-la em Bari, capital da região, preparada pelo chef Celso Laforgia, do restaurante coincidentemente denominado Urban – Assassineria Urbana, da Via Domenico Nicolai 10.

Por que o prato recebeu um nome tão estranho? Pelo fato de ser muito picante, devido à presença do peperoncino (pimenta vermelha usada sobretudo em receitas da Calábria) no molho; e ainda por cima levar alho ralado dourado no azeite. Além disso, ao contrário da esmagadora maioria das outras receitas, a massa não ferve apenas em água com sal, nem é finalizada com molho. Ingressa crua direto na frigideira. Cozinha na passata de tomate sem ser mexida. Quando aparece uma crosta na parte em contato com a frigideira, vira-se o spaghetti. Ele adquire cor escura e uma textura crocante, única entre os pratos de massa. Assim o jornalista do “The New York Times” descreveu o prato do chef Celso Laforgia, de Bari: “Seu spaghetti não fica macio e nem tem cor de marfim. É escuro como ébano polido e estala como grissini”.

Não constitui invenção veterana. O spaghetti all’assassina surgiu entre o final dos anos 1960 e início de 1970. Há duas versões para sua origem. Alguns a atribuem ao restaurante Marc’Aurelio, de Bari, que já fechou. Outros creditam-na ao restaurante Al Sorso Preferito, da mesma cidade, que serve o prato até hoje. Felice Giovine, especialista na história da gastronomia da Puglia, defende essa versão. Al Sorso Preferito foi aberto em 1967 no centro de Bari, pelo chef Foggian Enzo Francavilla. Certo dia, para impressionar dois italianos do norte, ele teria preparado um spaghetti diferente. Os clientes gostaram da novidade, mas como suas bocas ardiam em chamas qualificaram Foggian Francavilla de “assassino”. Daí o nome do prato.

Trata-se de uma versão defendida igualmente pela Accademia dell’Assassina, uma confraria de entusiastas da gastronomia local fundada na cidade de Bari em 2013, para provar e opinar sobre a autenticidade da receita, da qual existem pelo menos oito variações. Se bem que também há o grupo dos incrédulos. Sustenta que a origem da receita é mais distante e, para completar, espontânea. O spaghetti all’assassina seria um antigo prato reciclado, preparado com sobras de massa e do molho de tomate do dia anterior, por necessidade de economia; ou, então, uma improvisação das donas de casa de Bari, para visitas inesperadas. Afinal, corre no dialeto da capital da Puglia um ditado ilustrativo: “Addò màngene do, màngene tre” (“Onde duas pessoas podem comer, três também podem”).

O spaghetti all’assassina ganhou imediata difusão em Bari, porém seu prestígio arrefeceu na década de 1980. O aparecimento da Accademia dell’Assassina ajudou-o a reconquistar popularidade. Mas foi a série televisiva “As Investigações de Lolita Lobosco – Spaghetti all’Assassina”, em 4 episódios, transmitida em horário nobre pela Rai 1, de 21 de fevereiro a 14 de março de 2021, que turbinou sua notoriedade. Teve grande audiência em toda a Itália. Lolita Lobosco, personagem fictícia dos romances policiais de Gabriella Genis, é uma mulher bonita de 36 anos de idade. Vice-comissária de polícia em Bari, costuma ser rigorosa com os criminosos e, para completar, desempenha-se bem na cozinha. Investiga o assassinato de um chef famoso por seu spaghetti all’assassina. Descobre que era um homem radicalmente diferente do que parecia, pois levava uma vida envolta em sombras e ambiguidades. O pai de Lolita Lobosco morreu quando ela era adolescente, em um assassinato jamais esclarecido. Por isso, ingressou na polícia. Depois de um período no norte da Itália, conseguiu transferência para sua terra natal, Bari.

Antes de saborear o spaghetti all’assassina, sugerimos colocar na mesa, ao lado do prato, um copo contendo leite integral, em vez de água. A capsaicina, um composto químico ativo encontrado nas pimentas, produz uma sensação de queimadura na boca. A gordura presente no leite consegue combatê-la. Enfim, há quem aprecie bastante e também não goste do spaghetti all’assassina. O segundo contingente não deixa por menos. Sustenta que o prato não assassina o paladar – e sim os fios do spaghetti, pois até compromete seu ponto de cozimento, desejável nas outras receitas.

Receita de Spaghetti All’assassina

Rendimento: 4 porções

Ingredientes:

.500g de spaghetti

.600g de passata de pomodoro (tomate)

.2 colheres (sopa) de extrato de tomate

.3 dentes de alho

.2 peperoncini frescos (pimenta vermelha característica sobretudo da região da Calábria; na falta, prefira a brasileira dedo-de-moça).

.Água o quanto baste

.Azeite extra virgem de oliva a gosto

.Sal a gosto.

Modo de preparo:

1.Em uma panela, ferva a passata e o extrato de tomate, acrescentando sal e água, para deixa-lo mais fluido.

2.Em uma frigideira grande e funda, de preferência de ferro fundido, coloque os alhos, ralados inteiros, e doure-os no azeite. Em seguida, junte os peperoncini picados, sem descartar as sementes.

3.Acrescente bastante passata de tomate e deixe cozinhar por cerca de 15 minutos. Adicione o spaghetti cru, cubra com a passata de tomate e deixe cozinhar.

4.Quando se formar uma crosta na parte em contato com a panela, vire o spaghetti, acrescente mais passata de tomate e continue cozinhando até formar uma crosta nos dois lados e a massa ficar cozida.

5.Sirva quente.

IMAGEM

Spaghetti all’assassina (Foto: Restaurante Urban – Assassineria Urbana, de Bari, Itália – Divulgação)

Leia também:

Legado italiano
Você sabia que a origem da coxinha é francesa?
Brasil: Campeão Mundial de Panettone

0 Comentários

Envie uma Resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*

FOOD FORUM NEWS

Direitos de Copyright Reservados 2024

Entre em contato conosco!

We're not around right now. But you can send us an email and we'll get back to you, asap.

Enviando

Fazer login com suas credenciais

Esqueceu sua senha?