Com o preço sideral da carne bovina, a picanha tem sido substituída no churrasco por outros cortes, em todo o Brasil. Mas seu prestígio continua inabalável. No livro que escrevi para o NB Steak – o inovador rodízio gourmet desenvolvido pelo mestre Arri Coser, intitulado “O Churrasco” (Edição Particular, São Paulo, SP, 2017), louvei as virtudes de uma picanha perfeita e as repito aqui. Sua maciez, suculência de sabor fizeram-na apreciada. É corte do músculo da anca do boi não exercitado durante a locomoção do animal e, portanto, não enrijece. Marmorizado, ou seja, entremeado por pequenos filetes brancos de gordura, esbanja qualidade. Cada animal fornece apenas duas peças de picanha. Afinal, um boi produz duas picanhas que pesam de 1 kg e 1,5 kg de peso. Se passar disso, avança-se no vizinho coxão duro.
Juntamente com a feijoada, a caipirinha e o futebol, o churrasco de picanha é uma unanimidade nacional. Desde que começou a popularizar-se no país, a partir do início da década de 1980, virou nosso assado favorito. Churrasco de qualidade sem picanha é como feijoada completa sem caipirinha ou comemoração da Copa do Mundo de Futebol sem cerveja. Só divergimos quanto ao seu modo de preparo. A picanha deve ser feita no espeto, grelha ou chapa? Assada com cuidado, fica boa de qualquer jeito. Desbancou o filé mignon, o contrafilé, a alcatra – embora seja retirada desta peça.
Só na cidade de São Paulo, campeã brasileira do consumo, são assadas 150 toneladas de picanha por semana. É um corte valorizado em poucos países, mas sempre com uso diverso do que lhe damos. Na Áustria e na Baviera, região da Alemanha, a picanha dá origem a cozidos e assados de panela. Utilizam-na para fazer o tafelspitz (vitela cozida em caldo, servida com maçãs picadas e rábano). Os argentinos, exímios churrasqueiros, que chamam a picanha de tapa de cuadril, não a levavam às brasas. Exportavam-na como subproduto para a Bolívia e Colômbia a US$ 1 o quilo. Agora, saboreiam-na com entusiasmo.
Tanto quanto se sabe, o churrasco de picanha foi descoberto no final da década de 1950 em São Paulo – e por acaso. A história envolve o empresário e playboy Baby Pignatarari (1917-1977), freqüentador da churrascaria Bambu, perto do aeroporto de Congonhas. Certo dia, a casa recebeu por engano da Argentina uma carne que não encomendara. Baby chegou para comer e pediu churrasco de alcatra. O assador, coincidentemente argentino, disse ter recebido um corte diferente dessa peça. Baby aceitou provar a novidade, elogiou e perguntou onde ficava aquela carne na anatomia do boi.
“Se queda en la parte donde se pica la aña”, teria respondido o churrasqueiro. “Picar” significa, em espanhol, ferir com um objeto pontiagudo. “Aña”, no dialeto do Pampa argentino, seria sinônimo de “garrocha”, a haste de madeira com ponta de ferro usada para cutucar os bois que puxavam a carreta, um dos mais primitivos e simples meios de transporte. Também designa o diabo ou demônio, pois inferniza os animais. Os colombianos a chamam de “cucaña”. Caso verdadeira, a história protagonizada por Baby explica o nome exótico da picanha. Aurélio Buarque de Holanda, em seu “Novo Dicionário da Língua Portuguesa”, não endossa a versão. Restringe-se a dizer que picanha vem de “picar”. Por necessidade de inovação, o corte sofreu derivações. A mais famosa é o bife de tira, inventado em meados da década de 1960 na churrascaria Dinho’s Place, no bairro do Paraíso, pertencente a Fuad Zegaib. Havia sido uma das primeirias de São Paulo a adotar a novidade da Bambu. A picanha é cortada no sentido longitudinal, de uma ponta a outra. Trata-se de uma peça com aproximadamente dois dedos de espessura. Outra variação, menos difundida, denomina-se “picanha nobre”. É a ponta.
Mas, para merecer aplausos calorosos, convém assar a picanha com cuidado. Tempera-se com sal grosso ou salmoura morna, colocada quando começa a dourar. Espeto, só em peças grandes, para não desperdiçar o delicioso suco. Além disso, obriga-nos a servir o churrasco de uma só vez. O vai-e-vem ao fogo oferece o inconveniente de esfriar e esquentar a carne, comprometendo o resultado final. Em pedaços menores, a grelha se mostra insubstituível. Permite que a picanha seja cortada no sentido certo – transversalmente às fibras – e servida no ponto favorito de cada um. Passada demais, nem pensar. Também vai embora o suco natural, que corresponde a 25% do peso original. É infinitamente mais gratificante comer churrasco de picanha malpassada ou ao ponto.
Conselhos ao churrasqueiro para uma picanha perfeita
• Nunca compre uma picanha com mais de 1,5 kg de peso. As peças grandes demais incluem um pedaço do coxão duro. Embora pertença ao mesmo músculo, é carne rija. O coxão duro começa na altura do joelho. Enrijece por ser bastante solicitado na locomoção do boi.
• Sempre retire a pele lateral da carne. Se permanecer ali, encolherá durante o preparo, encurvando a peça, atrapalhando o assado e o corte na hora de servir.
• Assada no forno, a picanha também fica saborosa. Nesse caso, convém tostá-la primeiro na frigideira, em óleo quente. A operação se destina a “selar”, ou seja, a reter os sucos. Depois, leva-se a picanha ao forno previamente aquecido, colocada diretamente sobre a grade superior. Na parte inferior, deve haver um recipiente com água. Ao evaporar, manterá a umidade da carne.
• Raramente se encontra picanha de búfalo no mercado. Na maioria das vezes, o consumidor é enganado. Animal com os mesmos cortes do boi, o búfalo nos proporciona outros tipos de carne.
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