Ana Maria Bertolini
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU, 2023), estima-se que os jovens entre 15 e 24 anos de idade correspondam a cerca de 6% da população global, ou seja, 1,2 bilhão de pessoas. Até 2030, as projeções sugerem que o número de jovens atinja, aproximadamente, 1,3 bilhão em todo o mundo (cerca de 15% da população). Tal crescimento deve ser mais expressivo e acelerado em países menos desenvolvidos.
O crescimento dos jovens em um contexto mundial exige que políticas e decisões considerem com mais atenção suas vozes, desafios e contribuições. Essa etapa da vida, marcada por transformações, incertezas e decisões importantes, já é, por natureza, desafiadora. O agravante é que as gerações atuais vivenciam esse momento com um peso adicional de múltiplas crises e desafios globais, como crise econômica, emergência climática, perda de biodiversidade, insegurança alimentar, conflitos, entre outros, cujos impactos se estenderão durante seu ciclo de vida.
Sob tal perspectiva, fica claro também que esse grupo deve estar no cerne das decisões políticas que afetam sua própria sobrevivência. À medida que os desafios da nossa sociedade ficam cada vez mais complexos, o protagonismo desses jovens se torna mais urgente do que nunca, trazendo para os espaços de discussão e tomada de decisão perspectivas mais realistas, inclusivas, criativas, sustentáveis e adaptadas ao contexto atual.
No cenário internacional, um exemplo emblemático da institucionalização e inclusão da representatividade jovem nas discussões sobre a crise alimentar é o Grupo de Jovens Cientistas do Fórum Mundial de Alimentação (em inglês, Young Scientists Group do World Food Forum – YSG/WFF), uma iniciativa sediada pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). O YSG é o principal órgão consultivo científico da iniciativa de juventude do WFF (WFF Youth Initiative), uma agenda liderada por jovens que busca repensar os sistemas alimentares globais com base em evidências científicas, inovação e justiça intergeracional. O grupo oferece contribuições técnicas e científicas para diversas atividades do WFF, apoiando processos de formulação de políticas, eventos de alto nível e o fortalecimento da voz jovem na governança alimentar global.
Recentemente, durante o Fórum de Ciência, Tecnologia e Inovação, foi lançada oficialmente a terceira coorte dessa iniciativa. O evento, intitulado Inovação liderada por jovens: Capacitar a próxima geração de inovadores agroalimentares para um futuro sustentável, reforçou o papel estratégico da juventude na transformação dos sistemas agroalimentares. O novo grupo de jovens cientistas apresenta um perfil equilibrado em termos de gênero e reúne jovens cientistas em início de carreira de diversas regiões do mundo, incluindo a minha participação, juntamente aos demais representantes da América Latina, região que ganhou ainda mais destaque em relação à coorte passada.
Os jovens trazem consigo uma bagagem diversa que incorpora nesse espaço de discussão um olhar ampliado voltado à transformação dos sistemas alimentares. Contudo, embora a iniciativa do WFF seja um horizonte inspirador sobre a participação dos jovens no âmbito da tomada de decisão, sua inclusão ainda é incipiente em espaços multilaterais, como destacado pelo Relatório Mundial sobre Juventude, com foco no empreendedorismo social de jovens e na Agenda 2030 do desenvolvimento sustentável.
O relatório aponta como fatores limitadores que reduzem a influência dos jovens nos processos decisórios os obstáculos estruturais, sociais e econômicos, como a falta de acesso a recursos financeiros e apoio institucional, o que dificulta a capacidade dos jovens de iniciar e sustentar iniciativas que incidam sobre o processo decisório. Fatores adicionais como a falta de reconhecimento desse público como atores políticos legítimos e a ausência de mecanismos específicos de inclusão em instâncias formais de decisão perpetuam a sub-representação e a desvalorização desse grupo nesses ambientes.
O relatório também apresenta caminhos para superar esses obstáculos. As soluções envolvem a atuação de governos e instituições na implementação de políticas que ampliem o acesso a recursos financeiros, criem ambientes favoráveis ao engajamento juvenil e eliminem as barreiras à participação efetiva dos jovens nos processos decisórios. Iniciativas como o YSG demonstram, na prática, o potencial transformador de espaços institucionais dedicados à escuta, valorização e protagonismo das juventudes.
Ana Maria Bertolini é doutoranda da Faculdade de Saúde Pública da USP
Artigo publicado no Jornal da USP.