Futuro verde
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Por: Kátia Maria Aguiar Fernandes

No último dia 21 de setembro, deveríamos comemorar o Dia da Árvore. Mas, com tudo o que está acontecendo, como podemos celebrar esta data e reverenciar aquelas que nos dão a vida e a possibilidade de sobreviver no planeta Terra? O que nós, humanos, estamos fazendo para manter a integridade da Natureza e garantir o futuro verde e a perpetuação de nossas vidas? Por que pessoas estão queimando as árvores no nosso país?

Escrevi esse texto naquele dia, e pretendia intitulá-lo de “Rescaldo”, imaginando que o pior desastre ambiental da história do Brasil estivesse a ponto de reduzir sua intensidade. Para quem não conhece o termo, é o nome que se dá quando o incêndio foi apagado e busca-se ver o que foi possível salvar depois. Isso porque, dias antes, tivemos alguma redução de temperatura e chuvas em São Paulo, auxiliando um pouco a limpeza do ar.

Mas, bastou olhar a janela novamente e ver a previsão do tempo para os dias seguintes para perceber que a fumaça seguia firme, e cada vez mais forte. E, por mais que falemos em mudanças climáticas, o que está ocorrendo agora no Brasil não é fruto da alteração do clima. Vídeos e informes das mais diversas origens estão nos dando conta de que estamos vivendo ações orquestradas, com 100 novos focos surgindo na Amazônia a cada dia. Que ninguém se engane; em 99% dos casos, trata-se de uma ação intencional e criminosa. Assim como na Roma incendiada do ano 64 DC, alguém está querendo, com certeza, utilizar o fogo como instrumento para obter o que quer. Mas, esse nosso Brasil em chamas é um país de dimensões continentais, e as consequências desses atos insanos são proporcionalmente muito mais abrangentes e danosas.

É importante reafirmar que as mudanças climáticas existem, e basta ver o noticiário para saber que eventos climáticos extremos estão, atualmente, afetando os 5 continentes, em proporções cada vez maiores e com mais frequência. Tudo isso não é natural, mas fruto da ação humana. Eu e você, todos, seguimos contribuindo para essas tragédias. Não se trata de conversa de Ecochato; não sou eu que digo isso. Tenho ouvido desde pequena, desde os anos 70, os cientistas nos alertarem, e ainda assim, as pessoas não conseguem entender, ou acham que não é problema delas. Mas é.

E o que nós queremos? Eu quero paz, quero a Natureza em equilíbrio, quero ar puro para respirar, comida de qualidade na mesa, água em abundância, saúde. Acho que é o que minimamente todos querem para si e para os que amam. E aí, me pergunto: como estaremos em 5, 10 anos? O que meus netos vão comer? Haverá água suficiente? O ar vai ficar pior? Questões importantes em meios urbanos ou rurais. Perguntas pertinentes para hoje, amanhã, daqui a 3 meses ou no próximo inverno.

O que está ocorrendo agora no Brasil está afetando todo o planeta. Que ninguém se iluda: sem a Amazônia e sem o Cerrado, sem água, sem comida, sem ar puro. E mais: sem dinheiro. Com a Natureza desequilibrada, as safras serão cada vez menores e o custo da produção, cada vez maior; com isso, a nossa capacidade de compra vai se reduzir, por uma inflação iminente. Como se não fosse o suficiente, ainda corremos o risco de sofrer sanções internacionais pelos danos que estas pessoas desinformadas e mal-intencionadas estão causando, e que nós, inertes, impassíveis, só estamos reclamando e permitindo que siga acontecendo, ou até apoiando os grupos que os fazem. Com a escala absurda de incêndios concomitantes, a Amazônia tornou-se o maior emissor de gases de efeito estufa do planeta. Esse passivo ambiental, que estamos provocando, não deverá passar incólume.

É difícil não pensar nas consequências futuras dessa situação. Se hoje as pessoas estão vendo as queimadas e o ar poluído, eu vejo falta de água, comida, custos elevados, doenças e fome. É importante lembrar que o que queimou, se perde; não retorna. São plantas, animais, milhões de vidas. Estamos provocando extinções em massa, inclusive de espécies que nunca nem soubemos existir. E estamos nos matando. Um suicídio da espécie humana.

Em 21 de setembro, os números nos davam conta de que já eram mais de 80 pessoas mortas por síndrome respiratória aguda grave no Estado de São Paulo desde o início dos incêndios, com aumento de mais de 20% das internações hospitalares. Com mais de 60% do país coberto pela fumaça, a cidade de São Paulo colecionou recordes dos índices de má qualidade do ar por vários dias, tornando-se a cidade com o ar mais poluído do mundo.

Futuro verde: tá, mas o que podemos fazer para mudar isso?

Se você chegou até aqui e me fez essa pergunta, o primeiro objetivo já foi alcançado: o da conscientização. Conhecer e nomear o que estamos vivendo é o primeiro passo. Só a compreensão vai nos levar a buscar mudanças e virar o jogo. Você passa a entender que o problema existe, e que a sua minimização e, Deus nos ajude, sua reversão, passam pelas ações de cada um de nós. Em seguida, precisamos começar a agir. Não apenas com pequenas ações diárias; que é o mínimo a se fazer, mas não temos mais tempo para ficar só nisso. É preciso mais.

Em meados de setembro, o Coletivo Corredor Ecológico Urbano do Butantã e a Rede Ambiental Butantã lançaram um manifesto com 6 medidas críticas, imediatas e estratégicas para controlar e reverter a emergência climática na cidade de São Paulo. Ações práticas e mais do que necessárias, para começar a intervir positivamente na cidade com toda a urgência que a questão demanda. Eu vou listá-las aqui, e caso você não o tenha visto ainda, me avise, que te envio.

  • Nem uma árvore a menos

Toda árvore importa, uma árvore a menos é menos oxigênio, água, comida, solo produtivo;

  • Nem uma Área verde ou reserva de solo a menos

Não tem o menor sentido reduzir as áreas verdes existentes para construir mais em cidades como São Paulo, que possui 590 mil unidades habitacionais vazias, sem uso, abandonadas. Hoje se derrubam árvores para construir edifícios e se pavimentam áreas verdes para construir mais vias e praças com pouca ou nenhuma vegetação. Que se derrubem, então, os prédios vazios, e construam-se parques e florestas.

  • Reflorestar a cidade na cidade

Reflorestar a cidade é plantar em todo e qualquer solo disponível; é devolver as árvores de onde elas nunca deveriam ter saído. É trazer as características de abundância de nossas matas nativas para os jardins, a maioria transformados hoje em desertos verdes;

  • Recuperar as águas da cidade com saneamento universal

Tratar nossas águas, devolver os rios e riachos para a superfície, recuperando ecossistemas importantes para o equilíbrio das nossas cidades. Criar, de uma vez por todas, um sistema abrangente e eficaz de tratamento dos esgotos urbanos.

  • Tornar o solo permeável contra enchentes e secas

Se retirarmos o concreto e fizermos calçadas verdes e jardins de chuva, vamos modificar como as águas se infiltram no solo e, através desses novos locais plantados, nos proteger das secas, das altas de temperatura e da falta de água.

  • Transporte público contra as queimadas urbanas

Precisamos mudar a forma como nos deslocamos nas cidades para reduzir o impacto dos combustíveis fósseis na atmosfera. Priorizar o transporte público de energia limpa, criar vias verdes e fomentar o deslocamento de pedestres e ciclistas em mais áreas da cidade é fundamental.

Essas iniciativas podem e devem ser replicadas, e cobradas, Brasil afora. Os esforços devem partir de cada um de nós, mas também do poder público. Aqui cabe uma reflexão: nós nos esquecemos de que as pessoas que atuam no poder público são, na prática, nossos funcionários e procuradores, para atuar em prol da sociedade, representando os nossos anseios e executando infraestrutura e benefícios para o uso comum. Sendo assim, já passou do tempo de as pessoas ficarem reféns do jogo político dos interesses que não são os dos cidadãos. Nós precisamos encontrar meios de estabelecer e cobrar planos plurianuais que abordem as questões primordiais para a vida da sociedade, acabando com essa eterna interrupção de projetos a cada mudança de governo. Deveriam existir pontos imutáveis dentro de um Plano Diretor Estratégico para as cidades e para o país. A questão da Emergência Climática é um deles, pois trata-se da nossa sobrevivência.

É importante dizer que essas ações devem ser contínuas e demandam persistência e paciência. Para promover o plantio de novas áreas verdes, precisamos obter mudas ou, com alguma possibilidade, árvores formadas, que virão de algum lugar. Sabemos que uma árvore leva 5, 8, 10 anos para chegar a sua fase adulta e começar a produzir seus frutos. Isso significa que obter o resultado que precisamos também não será da noite para o dia. Mas é preciso começar.

A produção de plantas para esses processos de reflorestamento é uma atividade econômica em si, que precisa ser fomentada para ampliar e agilizar o processo de implantação de novas áreas verdes. Da mesma forma, precisamos incentivar e promover a implementação de hortas e pomares urbanos, bem como o plantio de árvores frutíferas, sempre deixado em segundo plano no Paisagismo Brasil afora. Estas atividades podem trazer geração de renda e segurança alimentar para muitas pessoas.

É certo que há muito a fazer, mas somos muitos, e podemos começar hoje, com pequenos gestos, pequenas ações, que terão um enorme poder de mudança: mudar nossas cidades, nossa sociedade, nosso país.

Plante. Abra espaço em sua vida para as plantas e a Natureza. Plante árvores nas calçadas, novos canteiros nas ruas e praças, crie jardins de chuva, florestas de bolso, hortas e pomares urbanos; plante nos terraços, nas varandas, nas paredes, nos telhados, onde possível for. Integre ou apoie ONGs, Coletivos e Ações de Plantio. Faça com que o seu conhecimento chegue às outras pessoas. Oriente, ensine, eduque, auxilie. Fomente as ações da sociedade civil e do terceiro setor, e cobre, o quanto for necessário, por políticas públicas imediatas e permanentes para mitigar os danos da emergência climática, devolver condições de habitabilidade para nossas cidades e reequilíbrio para a Natureza. Só assim conseguiremos sobreviver a nós mesmos.

Nós, brasileiros, não conhecemos a abundância que existia em nossas florestas há 500 anos, quando os colonizadores chegaram. Não pudemos conhecer a beleza das nossas matas de 100 anos atrás. Também não conseguiremos ver o resultado dos nossos esforços para além de 60, 80 anos no futuro. Mas, se começarmos agora, este futuro existirá.

Espero que possamos construir esse futuro juntos. Se tiver alguma dúvida ou precisar de mais informações, não hesite em me chamar. Ajudarei no que puder.

Contato dos Coletivos
Coletivo Corredor Ecológico Urbano do Butantã
@corredorecologicourbanobt
Rede Ambiental Butantã
@redeambientalbutanta8

www.redeambientalbutanta.org/

*Katia Maria Aguiar Fernandes é Arquiteta e Urbanista pela FAUUSP. Vive atualmente em São Paulo e presta Consultorias Holísticas para Arquitetura, Interiores e Paisagismo.

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