Produtor rural carregando alimentos do campo
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No Dia Mundial da Alimentação, trazemos uma análise objetiva sobre como a América Latina pode melhorar a segurança alimentar no mundo

“Nada é mais distante do que uma ideia que chega no momento certo. – Victor Hugo”. Com esta frase, Rodrigo Rodrigues, head de agricultura da consultoria Falconi, abriu o World Agri-Tech South America Summit em 2023. O evento reuniu em São Paulo centenas de executivos e profissionais que atuam com inovações, investimentos e sustentabilidade para a produção de alimentos.

Considerando as mudanças climáticas que ocorrem no planeta, estamos no lugar certo, e na hora certa, indica Rodrigues. O Brasil tem hoje a matriz energética mais limpa do mundo, com cerca de 48% de produção vinda de fontes renováveis. É líder mundial na produção de cana-de-açúcar. Tais dados são muito relevantes considerando que 25% dos habitantes no globo consideram as mudanças climáticas e riscos políticos como as maiores preocupações.

Compartilhando a visão, Maurício Rodrigues, presidente da Bayer Crop Science na América Latina, destacou que entre os tópicos muito relevantes para definir o futuro da alimentação no mundo, temos os pilares de inovação, sustentabilidade e transformação digital. Neste escopo de prioridades, o Brasil conta com elevado percentual de criação de gado a pasto, com cerca de 90% do nosso gado sendo criado dessa forma. Isso é algo muito positivo, já que, de acordo com a ONU, estamos enfrentando conflitos em 25% das empresas globais.

As mudanças climáticas e os riscos políticos são hoje algumas das principais preocupações dos CEOs.
Maurício entende que os principais pilares são baseados em três aspectos principais: foco nos esforços em inovação, na sustentabilidade e transformação digital, o que está diretamente relacionado com a segurança da produção de alimentos.

“E, no final das contas, temos algumas metas e objetivos, assim como várias outras empresas, que no nosso caso são focados principalmente na redução do impacto das emissões de gases de efeito estufa. Ao mesmo tempo, reduzimos nosso impacto dos produtos de proteção de cultivos e buscamos capacitar cerca de 100 milhões de pequenos agricultores em todo o mundo. Então, focamos na segurança da produção de alimentos e na inovação para a transformação digital”, destaca Maurício.

A estratégia de negócio é uma estratégia de sustentabilidade. Rossano de Angelis Jr., vice-presidente de agribusiness da Bunge, explicou que, sempre que é possível, a empresa toma decisão ou considera um projeto somente se estiver relacionado às mudanças climáticas. Desde 2015, a empresa assumiu o compromisso de não desmatar e de ter uma cadeia livre de desmatamento até 2025.

Desde então, tem investido muito em rastreabilidade e monitoramento para garantir a visibilidade e granularidade das informações sobre as áreas de origem. Isso inclui o monitoramento de 19 milhões de hectares por ano, incluindo o monitoramento direto de regeneração. Essa é a primeira contribuição para a descarbonização, compartilhando a percepção com os agricultores sobre a importância disso.

Numa segunda etapa, a empresa ajuda os agricultores e partes interessadas em geral a fazerem parte da economia do futuro. Todas as ações estão alinhadas com a importância de trabalhar em uma economia de baixo carbono.

“Os principais pilares são baseados em três aspectos principais: foco nos esforços em inovação, na sustentabilidade e transformação digital, o que está diretamente relacionado com a segurança alimentar”

Maurício Rodrigues – Bayer Crop Science

Quatro “C’s” reúnem pontos-chave da segurança na produção de alimentos

Celso Moretti, diretor de relações institucionais da Embrapa, acredita que estamos vivendo a era dos quatro “C’s”.

O primeiro “C” é o Conflito. É incrível que, depois de mais de um ano, ainda estejamos enfrentando a invasão da Ucrânia e os problemas associados à segurança alimentar decorrentes desse conflito. Esse é o primeiro “C”.

O segundo “C” se refere ao Clima, mais especificamente à mudança climática. No entendimento do executivo, estamos trabalhando duro para manter o aumento da temperatura global em 1,5 graus Celsius ou menos, mas aparentemente estamos falhando nisso.

O terceiro “C”, felizmente, está quase completamente para trás, que é a COVID-19, e agora temos que lidar com os problemas das perturbações nas cadeias de produção e no fornecimento de bens e alimentos para diferentes partes do mundo. Não aqui no Brasil, onde somos sortudos, como dizia o dr. Roberto Rodrigues: agricultura e comida significam paz, e foi o que vimos aqui no Brasil.

E o último é um “C”, de Comida. Estes são os quatro “C’s” que refletem a segurança alimentar.

O mundo está realmente preocupado com a segurança na produção de alimentos, e temos algumas soluções aqui para discutir e compartilhar usando ciência, tecnologia e inovação. E é assim que transformamos o Brasil de um país inseguro em termos de alimentação há poucas décadas para ser um dos players mundiais na produção e oferta de alimentos através da ciência, tecnologia e inovação.

Inicialmente, abordando o tema tecnologia, existem oportunidades que serão ótimas para contribuir com a agricultura tropical na América do Sul, e mais especificamente no Brasil, em termos de desafios e oportunidades que podemos enfrentar.

O Brasil agora é importador líquido de trigo, fruto do suporte de inovações e tecnologia. Em 2019, o Brasil colheu 6,2 milhões de toneladas de trigo, o que já era um grande avanço. “Naquele momento, os pesquisadores do Instituto Embrapa Cerrados me disseram: temos a capacidade de trazer o trigo para a região central do Brasil”, comenta Celso Moretti. E assim, começaram a avançar para a região central e para o Mato Grosso do Sul, através do melhoramento genético e adaptação. Na última temporada, em 2019, foram produzidas quase 11 milhões de toneladas de trigo.

Existem duas razões para isso. Primeiro, o melhoramento genético e, segundo, é claro, a invasão da Ucrânia. Todo mundo estava com medo de não conseguir obter o trigo necessário para comprar e utilizar, e por isso, dessas quase 11 milhões de toneladas, o Brasil exportou 3 milhões principalmente para o Oriente Médio.

Em parceria com uma empresa argentina, está sendo introduzido o gene HP4 que foi retirado do girassol no trigo. Dessa forma, teremos no país um futuro de trigo transgênico adaptado à seca, o que poderia ser uma mudança significativa em lugares como a África e o Egito, que importa 70% do trigo da Ucrânia. Isso é apenas um pequeno exemplo do que a genética pode fazer por nós em um futuro próximo.

A Bayer Crop Science tem investido aproximadamente quase 3 bilhões de euros por ano em P&D (Pesquisa e Desenvolvimento), principalmente com foco em como combinar automação com ferramentas digitais e dados. O objetivo é não apenas aprimorar as capacidades de pesquisa e desenvolvimento de produtos de forma mais rápida, mas também combinar isso com tecnologia de melhoramento genético.

E, assim por diante, para explorar de forma muito mais rápida e desenvolver soluções sob medida para os clientes. Segundo Maurício, o objetivo é desenvolver um portfólio de produtos muito mais robusto e, no final do dia, combinar tudo isso com todas as ferramentas digitais que têm para oferecer soluções aos clientes e agricultores.

E como podemos avançar mais rápido?

A combinação dos esforços e colaboração em outras áreas ampliam o espaço da inovação aberta, o que é muito importante. O setor necessita estabelecer parcerias, e a colaboração tem aumentado substancialmente nos últimos anos, o que tem sido muito útil.

A colaboração vem acontecendo principalmente no Brasil, mas também vem se expandindo pelo mundo. Ela é fundamental e eventualmente demanda dos profissionais e empresas serem extremamente inovadores para enfrentar os desafios que estão pela frente.

Adicionalmente, há consenso de que o setor precisa ser mais criativo e ágil. O conceito de pensamento coletivo foi desenvolvido, o que permitiu ampliar a colaboração. É prioritário construir várias iniciativas de parcerias com o governo e várias empresas.

Quando pensamos em produtos sustentáveis e oportunidades, a América Latina é, sem dúvida, uma das mais privilegiadas para fazer parte do processo produtivo. Em termos de digital e tecnologia, faz parte do ecossistema que estamos construindo para garantir que tenhamos os parceiros certos e unir forças para alcançar nossos objetivos de sustentabilidade.

Iniciativas de monitoramento foram lançadas há 10 anos. Agora, o país está aproveitando os dados para integrar em soluções de tecnologia que serão 100% compostas de ferramentas de monitoramento. Estas poderão fornecer aos stakeholders financeiros e aos agricultores as garantias para que eles recebam recursos e possam promover uma cultura sustentável. À medida que avançamos, o tema descarbonização também ganhará mais força.

É muito difícil estimar as mudanças que ocorrerão em dois anos, mas definitivamente subestimamos as mudanças que acontecerão em dez anos. Estamos à beira de uma disrupção por causa de tudo o que estamos reunindo: colaboração, inovação e todo o ecossistema.

Algumas coisas ainda precisam ser desenvolvidas e implementadas, e nesse sentido, o que está acontecendo mais rápido é uma revolução nos resultados, que é algo que está acontecendo agora mesmo.

Segundo Moretti, a agricultura tropical já está desempenhando um papel importante em termos de insumos biológicos e agricultura regenerativa. Isso não se aplica apenas ao Brasil, mas também a todos os outros países da parte norte da América do Sul. Se pensarmos na Amazônia, na floresta tropical, temos a maior biodiversidade do mundo.

“Há alguns anos, realizamos uma expedição de 5 mil km pelos rios da Amazônia. Com base na coleta de microrganismos do fundo dos rios, identificamos alguns que podem produzir diferentes enzimas utilizadas nas indústrias farmacêutica, de alimentos, têxtil e nutracêutica. Esse tipo de negócio de biológicos está crescendo cerca de 20% a 25% ao ano”, explica.

Em 2019, a Embrapa lançou no mercado um produto que consiste em duas bactérias. Quando aplicado ao solo, essas bactérias tornam o fósforo mais disponível para as plantas. O fósforo não se movimenta bem no perfil do solo, então os agricultores geralmente aplicam cada vez mais fósforo a cada ano.

A ideia dos pesquisadores da Embrapa foi: por que não utilizar o fósforo já presente no solo? Assim, desenvolveram esse produto. Em 2019, foram aplicados em 300 mil hectares; em 2021, 2,1 milhões de hectares, e na última temporada, em 2022, foram aplicados em 3 milhões de hectares, com previsão de 10 milhões de hectares para este ano (2023).

O potencial é imenso, especialmente considerando que cerca de 90% dos 44 milhões de hectares de soja no Brasil têm potencial para utilizar esse produto, não apenas como biofertilizante, mas também como biodefensivo.

No processo de migração para a agricultura regenerativa, a primeira fase é levar aos produtores o entendimento de que adotar as melhores práticas os ajudarão a obter melhores resultados. A partir de 2025 e 2026, eles terão ciência da relevância de ter uma cadeia de suprimentos regenerativa.
Se precisarem de um produto específico, terão que procurar por fornecedores de arroz que estejam adotando práticas sustentáveis e regenerativas. Tudo começa com a adoção de práticas sustentáveis e termina com as melhores práticas.

As práticas sustentáveis resultarão em maior produtividade e, no final das contas, maior lucratividade para os agricultores.

“Identificamos alguns microrganismos que podem produzir diferentes enzimas utilizadas nas indústrias farmacêutica, de alimentos, têxtil e nutracêutica. Esse tipo de negócio de biológicos está crescendo cerca de 20% a 25% ao ano”

Celso Moretti

Como podemos viabilizar a proteção das florestas, mas também criar um ambiente lucrativo para manter a floresta em pé?

O esforço que o agro está fazendo mostra a relação entre a quantidade e o que se produz, mas também como isso é realizado. Este é basicamente o foco dos projetos de controle de carbono, commodities e outros projetos relacionados. Existem várias iniciativas caminhando nessa direção. Não é uma mudança a curto prazo, mas na América do Sul estamos muito bem-posicionados, fazendo a coisa certa.

Sendo pragmáticos e pensando no curto prazo, a adoção de práticas sustentáveis nos dá acesso a diferentes mercados e garante os preços no mercado internacional. Mas, a longo prazo, será uma questão de acesso ao trabalho.

Em relação ao potencial do mercado de carbono, o Brasil tem uma das políticas públicas de maior sucesso com o Plano Agricultura de Baixo Carbono, que visa reduzir as emissões de carbono em diferentes cadeias produtivas. Existem iniciativas de parcerias da Embrapa na cultura do café e também com o leite. A empresa mantém uma parceria com a Nestlé, onde está convertendo mais de 20 fazendas para produção de leite de baixo carbono.

O Brasil tem uma vantagem competitiva muito forte em relação a outros países: temos ciência, tecnologia e inovação apoiando a nossa agricultura. Produzimos hoje apenas 1,08% das emissões de gases de efeito estufa, se considerarmos o total de gases de efeito estufa no mundo. A agricultura brasileira representa 1,09%, a China representa 30%, e os EUA 14%.

Modelo brasileiro com potencial para exportação

O Brasil, assim como outros países da América do Sul, tem muito a contribuir com o mundo quanto a segurança na produção de alimentos. O tema é uma grande preocupação nos países africanos.

Existe uma grande oportunidade para o Brasil na África, com dois pilares importantes. Primeiro, a ajuda humanitária, onde podemos ajudá-los. Em segundo lugar, podemos exportar as experiências e conhecimentos, incluindo soluções nacionais de genética animal e agricultura.

As inovações testadas e aprovadas no Brasil têm pleno potencial de serem exportadas e adotadas em diversos países africanos. Eventuais mudanças e adaptações podem ser necessárias, mas as similaridades tropicais e conhecimentos facilitam a adoção dos modelos.

Ampliando o conhecimento público das conquistas, as evoluções que estão sendo obtidas no agronegócio precisam ser percebidas por toda a sociedade. As grandes empresas devem estar bem cientes do que estão fazendo e, à medida que progridem, devem trabalhar para mudar a percepção pública e comunicar melhor as conquistas.

O setor tem forte hábito de não se expor à sociedade. Deve, de fato, se posicionar para demonstrar a força de ser um protagonista global. Como tal, não apenas recebendo orientações, mas sim liderando.
E isso se multiplica junto à sociedade, quando entende e pode apoiar as iniciativas.


capa e-book O Futuro do Alimento no Mundo - Food Forum

Este texto é parte integrante do e-book “O Futuro do Alimento no Mundo”, produto editorial do Food Forum reunindo as principais iniciativas de inovação, sustentabilidade e de investimentos no agronegócio e na indústria da produção de alimentos na América Latina.

O e-book, em versões nos idiomas português e inglês, será lançado no mercado no mês de outubro/2023.

Fale conosco para saber mais sobre o e-book: redacao@foodforum.com.br

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