Como proteger os 60 milhões de km3 de água guardada no planeta

A quantidade estimada de águas subterrâneas no mundo é impressionante. Calcula-se que existam cerca de 60 milhões de quilômetros cúbicos dessas águas escondidas sob a superfície terrestre. Isso representa em torno de 96% de toda a água doce disponível no mundo para consumo, represada em aquíferos, que são formações geológicas subterrâneas capazes de armazenar e transmitir água.

Segundo dados de relatório da ONU, 99% da água do planeta está no subsolo. “Quase toda a água doce líquida do mundo é subterrânea, contribuindo para o fornecimento de água potável, para os sistemas de saneamento, para a agricultura, indústria e os ecossistemas”, informa o documento.

As águas subterrâneas ficam armazenadas em aquíferos e são fundamentais para a manutenção da vida humana no planeta. Além do consumo humano direto, o uso em sistemas de irrigação na agricultura, pecuária, indústria de alimentos é fundamental. Os relatórios da entidade, que são atualizados anualmente, sempre reforçam a necessidade de melhorar os controles governamentais sobre o consumo e qualidade da água.

O recurso é finito

O relatório “Cenário mundial dos recursos hídricos subterrâneos” indica que existem no mundo 37 aquíferos, dos quais 21 estão sob condições de stress hídrico (quando a extração é maior do que a recarga).

É importante notar que apenas uma parcela desse imenso reservatório está acessível para uso humano. Aproximadamente um sexto dessa reserva está a menos de 4 mil metros de profundidade, o que é considerado uma zona viável para captação e uso.

Existem muitas ameaças a essas fontes de água promovidas pela poluição, um problema praticamente irreversível. O uso indiscriminado de produtos químicos, as queimadas e os desmatamentos prejudicam a qualidade dos solos superficiais e a capacidade de absorver água de chuvas.

Onde está toda essa água?

Entre os 37 aquíferos de grande importância mundial, alguns dos maiores são o Aquífero Guarani e o Amazonas (localizados na América do Sul) e o Aquífero Núbia (no norte da África).

No Guarani, que tem a maior parte da reserva subterrânea no Brasil, estima-se ter cerca de 37 mil quilômetros cúbicos de água. Já o aquífero Amazonas soma outros 162,5 mil km cúbicos de água armazenada. Essa quantidade é fundamental para abastecer a população e garantir a segurança hídrica no país.

Felizmente, segundo informações da Embrapa Cerrados, por conta de muitos recursos de água proveniente de rios, o seu acesso no Brasil é mais fácil e menos oneroso. Por esse motivo, reduz a necessidade do uso dos aquíferos subterrâneos, que se torna menos relevante do que em outros continentes no planeta.

Uso, desperdício e poluição: as três grandes ameaças às fontes subterrâneas de água

Cuidar bem dos aquíferos é crucial para a sustentabilidade hídrica global. Os aquíferos são estratégicos para as gerações futuras, especialmente diante da crescente contaminação dos mananciais superficiais.

É também foco de preocupação a impermeabilização dos solos superficiais. O crescimento das áreas urbanas, com suas edificações e pavimentações, e a degradação superficial de solos são fatores que não permitem à água retornar para os aquíferos. Isso compromete o equilíbrio de todo o sistema hídrico.

Nem toda inovação em irrigação é positiva a longo prazo

A revolução solar na agricultura, isto é, a adoção do uso de painéis solares por agricultores em regiões áridas e quentes é uma crescente ameaça. Segundo estudo e publicação da YaleEnvironment360, os agricultores estão adotando bombas solares de baixo custo para irrigar seus campos, eliminando a necessidade de combustíveis fósseis caros e aumentando a produção agrícola. No entanto, essa nova tecnologia está esgotando os aquíferos não só em suas regiões, mas ao redor do mundo.

As bombas solares estão se espalhando rapidamente entre as comunidades rurais em muitas regiões com escassez de água na Índia e por toda a África. Esses equipamentos podem bombear água durante todo o dia, sem controle governamental.

Em princípio, parece uma grande opção. O que poderia ser visto como benéfico por conta do aumento da produção de alimentos em regiões que sofrem com a insegurança alimentar, gerando renda e melhor condição de vida às comunidades do campo, pode ser um grande problema mundial futuro.

O estado do Rajastão é pioneiro na Índia, com mais bombas solares do que qualquer outro estado. Apesar do aumento da área irrigada e da maior produção agrícola, os níveis dos lençóis freáticos estão caindo rapidamente, deixando muitas bombas abandonadas quando os poços secam e forçando os agricultores mais pobres a comprar água de vizinhos mais ricos. Os produtores acabam abandonando os painéis solares e as estruturas de bombeamento, gerando mais um passivo ambiental.

As consequências dessa atividade sem controle são globais: a rápida disseminação das bombas solares está ameaçando a viabilidade de muitos aquíferos que já correm o risco de secar. Inicialmente vistas como uma forma de reduzir o consumo de combustíveis fósseis e ajudar os agricultores, as bombas solares estão rapidamente se tornando uma bomba-relógio ambiental.

O próprio sucesso das bombas solares está “ameaçando a viabilidade de muitos aquíferos que já correm o risco de secar”, alertou Soumya Balasubramanya, economista do Banco Mundial com vasta experiência em política hídrica, em janeiro/24.

Alguns dados relevantes sobre a disponibilidade de água no mundo, segundo a Unesco, publicados no Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos 2021

• Vários dos principais aquíferos mundiais estão sob estresse hídrico crescente, e 30% dos maiores sistemas de água subterrânea estão se esgotando (Richey et al., 2015), sendo a captação de água para irrigação o principal fator de esgotamento das águas subterrâneas em todo o mundo (Burek et al., 2016).
• O estresse hídrico, mensurado essencialmente pelo uso da água em função do suprimento disponível, afeta diversas partes do mundo. Mais de 2 bilhões de pessoas em todo o mundo vivem em países em situação de estresse hídrico (United Nations, 2018).
• O estresse hídrico físico costuma ser um fenômeno mais sazonal do que anual, como mostra a variabilidade sazonal na disponibilidade de água. Estima-se que 4 bilhões de pessoas vivem em áreas que sofrem grave escassez física de água por pelo menos um mês ao ano (Mekonnen; Hoekstra, 2016).
• Cerca de 1,6 bilhão de pessoas enfrentam escassez “econômica” de água, o que significa que, embora a água possa estar fisicamente disponível, não existe infraestrutura necessária para que as pessoas tenham acesso a essa água (Comprehensive Assessment of Water Management in Agriculture, 2007).

As soluções possíveis

Especialistas sugerem que políticas de controle de extração de água subterrânea são necessárias. Algumas propostas incluem pagar aos agricultores para usarem seus painéis solares para fornecer energia à rede elétrica, em vez de bombear água, transformando a energia solar em uma nova “colheita” de renda.

Importante considerar as boas práticas de uso do solo e da água dos rios, evitando a impermeabilização e o despejo de itens contaminantes. A “conta” ambiental está vindo para nós com mais força a cada ano, com os efeitos climáticos adversos, enchentes, secas, extremos de calor. Ameaças para a produção de alimentos em todo o mundo.

Os aquíferos representam uma parte significativa da água doce disponível no mundo e desempenham um papel vital na sobrevivência da humanidade. Proteger essas reservas é essencial para garantir o acesso à água limpa e segura para o consumo humano e para a produção de alimentos, essenciais para as gerações presentes e futuras.

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