Todo o café da manhã completo deve ter entre seus adereços o croissant – pequeno e imperdível pãozinho de origem vienense consagrado pelos franceses – de massa semifolhada, em formato de meia-lua, à base de farinha, açúcar, sal, leite, fermento biológico, manteiga e ovo para pincelar, saboreado puro, com manteiga ou geleia. O chá da tarde também. Essa lei gastronômica foi sancionada pelos franceses, cujas padarias, confeitarias ou cafés notabilizam-se pela especialidade. Mas eles não inventaram o croissant. Apesar das aparências, o apetitoso pãozinho surgiu na Áustria. Quem garante isso é a insuspeita enciclopédia francesa “Larousse Gastronomique” (Larousse-Bordas, Paris, 1996). Trata-se de receita com local e ano de nascimento.
O croissant surgiu em Viena, na Áustria, em 1683, depois do combate no qual 150 000 soldados turcos (ou seriam 300 000?), sob o comando de Kara Mustafá, o Negro (1634-1683), grão-vizir ou primeiro-ministro do Império Otomano, tentaram ocupar a cidade. Já haviam conquistado parte da Hungria e todos os países cristãos ao longo do rio Danúbio. Faltava Viena, última resistência. O exército turco cercou a cidade durante 58 dias.
Apesar de inferiorizados numericamente, os vienenses, que não passavam de 15 000 entre militares e civis, ofereceram dura resistência. Eram comandados pelo Conde Ernest Starhemberg (1638-1701). Então, os turcos mudaram a tática. Começaram a abrir um túnel que alcançaria o centro da cidade. Só cavoucavam o subsolo de noite, enquanto a população dormia, para não serem descobertos. Entrando pelo túnel, atacariam a retaguarda adversária e a população capitularia.
Por dever de ofício, os padeiros vienenses trabalhavam de madrugada. Ouvindo o barulho das picaretas, pás e carrinhos que revolviam a terra, avisaram a resistência. Surpreendidos, os invasores sofreram pesadas baixas. Além disso, os vienenses receberam o providencial socorro de 76 000 soldados polacos e alemães, sob o comando de Jean III Sobiesky (1629-1696), último grande rei da Polônia. Atendiam aos rogos de Leopoldo I (1640-1705), Imperador Romano-Germânico, e do núncio papal. Na batalha campal que se seguiu, os turcos acabaram expulsos definitivamente. Em recompensa ao alerta dos padeiros, Leopoldo I concedeu-lhes diversos privilégios. O mais honroso teria sido o direito de usar espada à cinta.
Os padeiros retribuíram à altura. Criaram um pão em formato de lua crescente – emblema até hoje presente na bandeira da Turquia – e o chamaram de hörnschen, ou seja, pequeno chifre. Assim o símbolo inimigo havia sido apelidado pelos vienenses. Em 1770, quando casou com o futuro rei Luís XVI, a então princesa austríaca Maria Antonieta, filha do imperador Francisco I, introduziu a receita do hönschen na França. Ali ele passou a ser chamado de croissant. Entretanto, só teve sua popularidade catapultada mundialmente em 1889, quando padeiros vienenses prepararam-no para legiões de gulosos na Exposição Universal de Paris. No livro “Pães de França” (DBA/Melhoramentos, São Paulo, 1996), Olivier Anquier recorda que até então o croissant era feito com uma massa levedada, aparentada com a do brioche. Só passou a ser folhada depois de 1920, sempre por obra dos padeiros e confeiteiros parisienses.
Tornou-se um dos emblemas da gastronomia francesa, junto com bouillabaisse, cassoulet, coq au vin, creme brûlée, quiche lorraine e… ufa! É internacionalmente associado ao seu rico acervo. Tanto que o croissant de Paris costuma ser considerado o melhor do mundo. Para muitos, são referências sedutoras os preparados pelo pâtissier e chocolatier Pierre Hermé, o “Picasso da confeitaria”, na capital francesa e nas suas filiais em Estrasburgo, Nantes, Nice e Lyon.
O requintado Hotel Ritz de Paris, situado na Place Vendôme n° 15, no coração da cidade, também prepara um croissant espetacular. Já o apreciaram personalidades como Ernest Hemingway, Scott Fitzgerald, Rodolfo Valentino, Charlie Chaplin, Greta Garbo, Coco Chanel e Elton John. O Hotel Ritz de Paris foi comprado em 1979 pelo empresário egípcio Mohamed Al-Fayed, o mesmo cujo filho Dodi Al-Fayed morreu em um acidente de automóvel perto dali, acompanhando a Princesa Diana, da Inglaterra. Não por acaso, a ex-mulher do atual rei Charles III, do Reino Unido, adorava croissant.
Há quem conte uma história diferente sobre a origem do genial pãozinho, porém menos provável. Atribui sua invenção a Franz Georg Kolschistky, um comerciante vienense de ascendência polonesa que viveu algum tempo em Istambul. Na capital turca, conheceu uma nova bebida: o café. Em 1683, engajado na defesa de Viena, ele atravessou ileso as linhas adversárias, trazendo soldados para reforçar a resistência da cidade. A proeza foi considerada heroica. Ao serem derrotados, os turcos abandonaram cerca de 500 sacas de café. Como ninguém se interessasse por aqueles grãos escuros e duros, ele pediu-os às autoridades como recompensa. Depois, abriu uma cafeteria onde passou a servir a bebida. Para acompanhá-la, teria inventado o croissant.
Com o mesmo formato, os vienenses desenvolveram a seguir outros tipos de pão: vanillekipferl, um croissant aromatizado com baunilha; mandelbögen, à base de amêndoas; o mohnbeugel, com sementes de papoula; e nussbeugel, que leva nozes. Em Paris, há dois tipos. Um pode ser chamado de básico. O outro ficou conhecido como croissant au beurre, ou seja, de massa amanteigada. Prefira o segundo. Peça-o pelo nome completo. É a senha de acesso a um prazer gratificante.
Croissant é palavra francesa que significa crescente. Na Espanha denominam-no croasán ou medialuna, o mesmo acontecendo na Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai. Em outros países da América Latina vira cuernito. No Brasil, repetimos a pronúncia croissant. Já na Itália, onde o pãozinho chegou através do Nordeste do país, que pertenceu ao Império Austro-Húngaro (1867-1918), mudaram-lhe o nome e a receita. Batizaram-no de cornetto e a massa ficou parecida com a de brioche. Além disso, pode ser saboreado sem ou com recheio de “crema, marmellata ou cioccolato”.
Em São Paulo, começa a difundir-se o cornetto. “Mas o croissant ainda é dominante, está sendo cada vez mais consumido”, constata o pâtissier e chocolatier franco-brasileiro Fabrice Lenud. Os grandes apreciadores sustentam que ele prepara um dos melhores da cidade. Um bom croissant deve pesar 50 gramas, ter a crosta crocante e o centro macio, ligeiramente aerado e úmido. Quem estiver no Brasil e precisar escrever o nome do pãozinho em português, aqui vai um conselho. Jamais grafe croassã, como manda o “Dicionário do Aurélio”. Fica tão feio que o pãozinho até perde a graça.
Receita de croissant
Rende cerca de 20 unidades
Ingredientes
.500 g de farinha de trigo
.10 g de sal
.40 g de açúcar
.15 g de fermento biológico fresco
.275 ml de água
.1 ovo inteiro
.400 g de manteiga sem sal gelada (em bloco)
.2 ovos ligeiramente batidos para pincelar
.Farinha de trigo para polvilhar
Modo de preparo
1. Em uma tigela, misture a farinha de trigo, o sal, o açúcar, o fermento, a água e o ovo inteiro. Bata durante dez minutos ou até obter uma massa lisa e homogênea.
2. Cubra com filme plástico e reserve na geladeira por 15 horas. No dia seguinte, após a fermentação, abra a massa sobre uma superfície lisa, ligeiramente polvilhada com farinha de trigo, e dê um formato quadrado à massa.
3. Coloque a manteiga, em bloco, no centro desse quadrado e bata a massa usando um rolo, para deixá-la mais macia.
4. Feche as pontas da massa em direção ao centro para formar um envelope. Estique a massa com o rolo para obter um retângulo comprido ou estique-a em uma máquina profissional.
5. Depois de esticada, dobre-a em três partes iguais. Repita a operação e guarde-a na geladeira. Após dez minutos, estique-a mais uma vez e dobre-a novamente em três partes. Leve-a à geladeira por mais cinco ou dez minutos.
6. Abra a massa em uma espessura de 3mm e corte-a em triângulos. Puxe a ponta de cada triângulo para esticar um pouco a massa. Enrole os triângulos, formando assim os croissants.
7. Coloque-os em uma assadeira, mantendo entre cada um deles uma boa distância e deixe-os crescer (fermentar) em temperatura ambiente, por aproximadamente duas horas.
8. Pincele-os com ovo batido e leve-os para assar em forno médio (180ºC) a quente (200ºC), com ventilação; ou em forno mais quente (220ºC), sem ventilação, até que cresçam e dourem (não demais) por igual.
9. Retire os croissants ainda quentes da assadeira e coloque-os para esfriar em uma grade.
Receita do pâtissier e chocolatier franco-brasileiro Fabrice Lenud, que vive e trabalha em São Paulo, SP.
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