Impasse com o Plano Safra mostra que é hora de criar um fundo garantidor de crédito e substituir esse financiamento pelo mercado de capitais
O Plano Safra nasceu em 1996, no governo de Fernando Henrique Cardoso, como
resposta a uma crise financeira que ameaçava o agronegócio, a espinha dorsal da
economia do Brasil. O setor, sufocado por juros proibitivos e um sistema bancário avesso
ao risco, precisava de um modelo que garantisse previsibilidade e acesso ao crédito. O
programa foi um sucesso e consolidou o país como potência agrícola global. Hoje, o
agronegócio responde por 25% do PIB e 48% das exportações. Mas nada é eterno. O
mundo mudou, o setor amadureceu e a realidade fiscal impõe uma reformulação
urgente.
A expressão “responsabilidade fiscal” ecoa por todos os lados, repetida à exaustão por
políticos e economistas. No entanto, poucos parecem compreender seu significado. A
prática revela uma classe dirigente que age sem planejamento e compromete o futuro do
país. A recente suspensão do Plano Safra expôs essa realidade de forma contundente.
O produtor médio, que havia negociado com seu gerente no banco e contava com o
crédito para equilibrar as contas, de repente se vê sem saída. Ele já havia acertado a
compra das sementes e o fornecedor, por sua vez, aguardava o pagamento para quitar
suas próprias dívidas. A interrupção abrupta dos recursos gera um efeito dominó que
atinge toda a cadeia produtiva, do pequeno produtor à grande indústria.
Manter esse modelo tornou-se uma âncora para as contas públicas. No ciclo 2023-2024,
o Tesouro Nacional destinou R$ 364 bilhões ao financiamento agropecuário, dos quais
R$ 100 bilhões foram subsidiados. Com um déficit projetado de R$ 177,4 bilhões para
2024 e uma Selic que saltou de 10,50% para 13,25%, os custos da equalização de juros
dispararam. O sistema tornou-se insustentável. Enquanto isso, Executivo e Congresso
travam embates sobre responsabilidade fiscal. O governo alega falta de recursos para o
agro, enquanto o Legislativo questiona gastos excessivos em outras áreas. O impasse
se agrava e, como sempre, o setor produtivo paga a conta.
O Brasil não pode ser refém da instabilidade. Os momentos de crise exigem liderança e
estadismo. O agronegócio já provou que pode caminhar sem as muletas do Estado. O
mercado de capitais amadureceu e oferece instrumentos sofisticados e menos onerosos
ao erário. A solução está na criação de um Fundo Garantidor do Crédito Agropecuário,
um mecanismo moderno que reduziria a dependência de subsídios diretos. Em vez de
gastar bilhões para equalizar juros, o governo criaria um fundo que serviria como aval
para financiadores privados, reduzindo riscos e ampliando a oferta de crédito.
Com um aporte inicial de R$ 20 bilhões e um mecanismo de garantia de perdas de até
15%, o fundo poderia alavancar R$ 130 bilhões a R$ 150 bilhões em crédito
agropecuário. Modelos semelhantes já funcionam com sucesso em países como Estados
Unidos e Canadá, que há tempos desvincularam o financiamento rural da incerteza
orçamentária estatal. A transição pode começar com um projeto-piloto voltado para
médios produtores e cultivos de inverno. Comprovada sua eficácia, o modelo pode ser
expandido, consolidando um sistema financeiro agropecuário moderno, competitivo e
sustentável.
O tempo da dependência estatal acabou. O agronegócio não pode ser subjugado por
impasses políticos nem condenado à incerteza fiscal. Se o Brasil quiser continuar
liderando a produção global de alimentos, precisa de um sistema de financiamento à
altura de sua ambição. Esta é a hora da coragem e da transformação. O futuro do agro
não pode esperar.
*Gustavo Diniz Junqueira é empresário e atua nos conselhos de administração do fundo
Exagon, da Alper Seguros, da AgriBrasil e da Capturiant. Foi secretário estadual de
Agricultura em São Paulo
Artigo publicado originalmente na Veja Negócios.