Por: Ricardo Campo
Numa visão mais ampla do conceito, a rastreabilidade representa a capacidade de identificar o produtor e a fazenda onde foi cultivado um produto rural, com quais fontes de insumos foram manejados, bem como o rastreio total para frente ou para trás, por meio de documentos e tecnologias, para determinar a localização específica e ciclo de vida na cadeia de suprimentos.
Antes observada à distância, como uma das tendências que impactariam os negócios do futuro, a exigência pela rastreabilidade já é realidade na dinâmica do mercado gerando mudanças em nível global e no varejo das esquinas.
O novo regulamento da União Europeia de combate ao desmatamento é um exemplo atual de como a rastreabilidade será chave para atender a uma exigência de mercado. A regulamentação, conhecida como EU Deforestation Regulation (EUDR), tem como objetivo combater o desmatamento relacionado à produtos agrícolas importados.
A EUDR entrará em vigor efetivamente em dezembro desse ano e exigirá que importadores apresentem uma diligência devida para produtos listados, verificando a origem e garantindo que foram cultivados em áreas que não foram desmatadas. Para produtores que ainda não estiverem preparados, além da conformidade socioambiental, isso demandará mais governança, revisão de processos, controle operacionais com disponibilidade de dados e adoção de novas tecnologias que permitam a visibilidade e gestão das informações da rastreabilidade exigida pelos reguladores.
Para um país que conta com um volume expressivo de exportação de commodities agrícolas, certamente haverá uma mobilização para a regularização em tempo de não haver perda e acesso aos mercados. Entretanto, há um ponto relevante dessa situação que é em relação ao uso da rastreabilidade no mercado nacional e que já é vigente, seja por obrigatoriedade ou por oportunidade para diferenciação de produtos de nicho e de maior valor agregado.
O discurso recorrente sobre rastreabilidade costuma girar em torno dos consumidores internacionais e sua maturidade quanto a consciência socioambiental e questionamento da origem do que consomem. Mas, o mercado brasileiro é grande o suficiente para o consumo de determinados produtos rurais e com consumidores que já exercem o seu direito de comprar apenas aquilo que consideram oferecer informações suficientes para suas expectativas quanto a segurança e sustentabilidade.
Ali e aqui, a rastreabilidade já está na pauta “glocal” dos alimentos. Afinal, a carne que se exporta ainda é a carne do nosso churrasco. O café dos embarques, também passa pelas nossas xícaras (ou pelo menos deveria passar). Isso sem falar em produtos que possuem menor janela para distribuição e que não cruzam as nossas fronteiras, como o caso dos hortifrutis.
No Brasil, desde 2021, a rastreabilidade é exigida para todos os produtos hortifrutícolas comercializados in natura por conta de Instrução Normativa Conjunta ANVISA/SDA-MAPA (INC 02/2018). A normativa estabeleceu procedimentos para a aplicação da rastreabilidade na cadeia produtiva de produtos vegetais frescos, destinados à alimentação humana, com a finalidade de monitorar e controlar resíduos de defensivos agrícolas, impactando produtores, distribuidores, indústrias e supermercados.
Diga-me como rastreias que te direi quem és
Em pesquisa sobre rastreabilidade vegetal realizada com mais de 1.500 produtores, organizada pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), 41,8% dos respondentes afirmaram saber o que é rastreabilidade e 13,8% indicaram que realizam rastreabilidade na produção. Destes, 74% apontaram que a adoção da rastreabilidade trouxe benefícios especialmente na gestão da propriedade e 68,5% sinalizaram que não tiveram dificuldade para cumprir os procedimentos e registros exigidos pela normativa da INC 02/2018.
Pelo que se vê, há um nível de desconhecimento e baixo uso da rastreabilidade mesmo em segmento em que já é obrigatório por norma. Talvez aqui haja a oportunidade de melhor comunicação setorial sobre a rastreabilidade em si e os seus benefícios, seja para conscientizar produtores seja para sensibilizar consumidores.
E mais do que a comunicação é certo que a adoção da rastreabilidade passa por incentivos. Acredito na hipótese de que produtores poderiam, potencialmente, passar a rastrear mediante assistência técnica, acesso a crédito vinculado a rastreabilidade ou remuneração pelos dados gerados em suas produções.
Com a consolidação de novas tecnologias, como inteligência artificial e blockchain, combinado com a crescente onipresença de mecanismos de revisão e reputação de marcas online, provavelmente o uso da rastreabilidade tornará a assimetria de informações e o comportamento oportunista na cadeia produtiva uma situação cada vez mais arriscada e difícil.
Ainda olhando para a camada tech, numa pesquisa conduzida pela ESALQ-USP com 164 pessoas para identificar como a rastreabilidade e inovações são percebidas pelos consumidores, apenas 34,7% dos respondentes afirmaram já ter utilizado algum tipo de aplicativo ou smartphone para obter informações sobre produtos rastreados.
Essa mesma pesquisa indicou uma possível percepção dos consumidores de que atributos de origem e segurança dos alimentos devem ser garantidos pelas autoridades públicas e agentes da cadeia produtiva, sem que necessariamente tenham que pagar a mais para isso.
Nesse ponto parece que surge uma “batata quente” na equação. Pois produtores sofrem a pressão de rastrear para permanecer no mercado, mas consumidores parecem ainda não terem apetite e disposição a pagar por alimentos rastreados.
Aos consumidores, as batatas!
Um sistema de rastreabilidade eficaz numa cadeia de abastecimento alimentar pode fornecer adequadamente as informações demandadas pelos compradores, satisfazer os requisitos das agências relevantes, melhorar a segurança dos alimentos e a confiança do consumidor.
Nesse mix de compliance e marketing, há oportunidade de melhorar o relacionamento com os envolvidos na cadeia produtiva e gerar valor na ponta do consumo, como no caso da PepsiCo com as suas batatas “LAY’S® Rústicas”.
Com uso de QR code na embalagem do produto, a marca oferece aos seus consumidores o acesso a mais informações sobre a origem e processo de produção, com conteúdo que permite conhecer a história dos agricultores que trabalham em parceria no cultivo da matéria-prima para garantir que, quando colhidas, as batatas sigam “do campo ao pacote em até 48 horas”.
No ambiente digital criado para compartilhar as informações de rastreio também é possível acessar dados sobre agricultores que concentram o cultivo das 110 mil toneladas de batata que a empresa compra, originadas das regiões de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Paraná e Santa Catarina.
Com desdobramentos no Youtube e Instagram, LAY’S® ressalta a transparência na cadeia produtiva e cria um vínculo com os produtores parceiros pelo reconhecimento e exposição de seu orgulho e cuidado na produção da matéria-prima. Um exemplo de comunicação que cria pontes, estreita o relacionamento da marca com produtores e consumidores, gera empatia e mostra como o agro é feito por pessoas.
Além do investimento em marketing, a PepsiCo realiza programas de fomento à agricultura positiva com foco em produtividade e sustentabilidade. Promove o uso de ferramentas agronômicas e acesso a tecnologias em suas “Demo Farms” e, recentemente, lançou no Brasil o PepsiCo Labs, hub que integra projeto global de inovação da cia. Entre os primeiros desafios lançados pelo hub está o de estabelecer uma comunicação mais ágil e sistêmica com produtores.
A rastreabilidade aqui vai além da informação, num posicionamento de mercado que reforça o compromisso com a produção sustentável. É um plano de marketing rural com um tempero que é certeiro, aliás, é batata!
*Ricardo Campo é coordenador de inovação digital da Raízen e do Pulse Hub. É colunista do Agfeed, professor da faculdade CNA, com MBA em Marketing pela FGV e mestrado em Administração e Agronegócios pela ESALQ-USP.
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